Mal
passou a Páscoa e vem agora essa notícia. O aumento do consumo no
mundo, associado à queda de produtividade das lavouras de cacau, pode
levar à escassez em quatro anos.
A
palavra é sonoramente deliciosa - chocalipse. Mas seu significado,
sobretudo quando estamos na época da Páscoa, é um desmancha-prazeres.
Chocalipse é o nome do fenômeno que indica a escassez iminente do
chocolate. Estima-se que em 2020 a demanda mundial de cacau ultrapasse a
produção (veja o gráfico abaixo). Se essa situação se concretizar, as
barras de chocolate deverão encarecer 60% e os ovos de Páscoa, que já
são muito mais caros que os tabletes, por causa do formato, deverão
acompanhar a alta.
A principal razão para o
chocalipse é econômica. Até há alguns anos, o chocolate era um artigo de
luxo nos mercados emergentes, raro e caro. Agora, com um consumo
popularizado, a demanda subiu de modo expressivo. Em paralelo a esse
aumento, as plantações de cacau sofrem pesadamente com a proliferação de
pragas e as consequências negativas das mudanças climáticas. Resultado:
quem não quiser gastar mais, ficará com água na boca.
Fazendeiros
e produtores de chocolate são unânimes em prever que a crise no
horizonte será avassaladora. De acordo com a americana Mars, dona de
marcas famosas como M&Ms, o déficit de cacau será de 1 milhão de
toneladas até 2020. A raiz da escassez é o aumento do consumo na China e
na Índia, países que, juntos, reúnem 36% da população mundial.
Originalmente, os chineses não tinham o hábito de comer chocolate, pois o
país não é produtor de cacau. No entanto, isso mudou nos últimos anos.
Desde 2011, o consumo médio por pessoa explodiu, passando de 30 para 200
gramas anuais. Fabricantes de peso deram início à fabricação de opções
para agradar aos chineses. A americana Hershey's, por exemplo, lançou
uma versão com sabor de chá-verde. O aumento da demanda motivou o país a
sediar o badalado Salão do Chocolate, com o mesmo zelo dedicado às
feiras de automóveis. A China promete continuar a puxar o aumento do
consumo no mundo. As previsões indicam um crescimento de 60% nas vendas
entre os chineses até 2019.
Dos mercados
emergentes asiáticos, o chinês não é o único que desenvolveu o apetite
pela iguaria. Na Índia, as vendas também aumentam, ao ritmo de 20% ao
ano. O consumo de chocolate, para os indianos, ainda é visto como um
hábito próprio das elites. Como o crescimento econômico tem aumentado o
poder aquisitivo, o chocolate se populariza. Uma barra da suíça Lindt
custa 9 dólares para os indianos, enquanto sai por 2 dólares nos Estados
Unidos e 5 dólares no Brasil. Apesar disso, a indústria aposta no
consumo local. A Mars já anunciou investimento de 159 milhões de dólares
em uma fábrica na Índia.
A notícia deveria ser
deliciosa, não fosse o fato de que a oferta do cacau, a matéria-prima,
não deverá acompanhar esse ritmo de expansão. De acordo com o relatório
"Barômetro do cacau", divulgado no ano passado por um consórcio
internacional de fabricantes, são de três naturezas as dificuldades
enfrentadas pelos fazendeiros: social, econômica e ambiental. Para
começar, os maiores produtores, os africanos, dependem de mão de obra
infantil. A prática ilegal forjou a baixa de preços dos últimos anos,
levando ao aumento do consumo entre emergentes. Ao mesmo tempo, tem se
intensificado o combate a esse crime. O que resulta no segundo nó, o
econômico. O fim da exploração do trabalho infantil acabará por elevar
os salários nas lavouras. Naturalmente, pequenos produtores poderão
falir - e quem sobreviver elevará seus preços de venda.
Já
a questão ambiental é ampla. No centro do problema está a fragilidade
do cacau. As sementes só se desenvolvem em áreas próximas da Linha do
Equador, em temperaturas de 18 a 32 graus. Por isso, o oeste da África
concentra 70% da produção mundial. Normalmente, é daí que provém o
principal ingrediente dos chocolates suíços. Noventa por cento da
colheita, contudo, é feita por pequenos produtores, com fazendas de até 5
hectares e parcos recursos para investir na tecnologia capaz de prover
as melhores condições de plantio. Pesam ainda as mudanças climáticas,
que têm alterado o cenário local, afetando o período propício para as
plantações.
A presença de pragas - como a
vassoura-de-bruxa, um fungo que se espalha pelas árvores e contamina os
frutos, inutilizando a plantação - também é uma agravante. Foi essa a
peste responsável por prejudicar a produção do Brasil nos anos 90. O
país ocupava o posto de segundo maior produtor mundial de cacau quando
militantes de esquerda espalharam a vassoura-de-bruxa em plantações da
Bahia. A intenção era minar o poder político e econômico dos "barões do
cacau". A praga, porém, proliferou. Como consequência, o país perdeu 80%
da capacidade das lavouras, deixando de ser um dos grandes produtores
internacionais de cacau.
É no Brasil,
entretanto, que hoje se deposita parte da esperança de driblar o
chocalipse. Há quem acredite, é verdade, que a divulgação do risco de
escassez possa frear o consumo entre os mais conscientes - como os
suíços, que ingerem 9 quilos de chocolate per capita anualmente. No
entanto, a saída segura é aumentar a produção de forma sustentável, sem
exigir a diminuição da demanda. É nesse cenário que se encaixam os
brasileiros. "Chegamos ao fundo do poço, mas temos recuperado o poderio e
podemos voltar a figurar entre os três maiores produtores", afirma
Diego Badaró, fundador da marca AMMA e membro da quinta geração de
fazendeiros de sua família. A Bahia, região em que a AMMA atua, dobrou o
plantio de cacau na última década. O sonho de Diego Badaró é um dia
recuperar a produção de um de seus ancestrais, o barão do cacau Juca
Badaró, uma das inspirações para o romance Terras do SemFim, publicado
em 1943 por Jorge Amado. No livro, o escritor relatava: "Juca Badaró
não via na sua frente a mata (...) Via aquela terra negra, a melhor
terra do mundo para o plantio do cacau". Se o Brasil tornar a ter campos
tão vastos, pode ser que o gosto amargo do chocalipse não perdure - e a
própria literatura volte a adoçar as mentes com seu sabor delicioso.
Fonte Veja
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