Dicas de Paola Carosella: Dourados, tostados e queimados
A
chef argentina dona dos restaurantes Arturito e La Guapa, que virou
celebridade depois de se tornar jurada do 'Masterchef', ensina a domar o
fogo.
Esta
reportagem tem história. Uma história que começou em maio do ano
passado, quando a chef argentina Paola Carosella aceitou o convite para
participar do Paladar Cozinha do Brasil e confirmou o tema da palestra
que faria: Dourados, tostados e queimados. Mestre nas artes do fogo, a
dona dos restaurantes Arturito e La Guapa – que virou celebridade depois
de se tornar jurada do reality show Masterchef Brasil – iria usar os
limites e as sutilezas de diferentes pontos de cocção para falar de
técnicas, princípios e até questões do gosto.
Mas
mudou de ideia. No dia do evento, em setembro, diante de um auditório
lotado e com uma galinha d’angola morta no colo, a chef anunciou que não
iria tratar do tema combinado.
Antes de falar
sobre o fogo, ela disse, era fundamental tratar do ingrediente. Afinal,
como abordar as nuances de sabor entre tostados, dourados e queimados
se cada vez cozinhamos menos e consumimos mais alimentos processados?
Para a chef, nos últimos anos, a indústria (com seus bolos, pães e
biscoitos de cores uniformes) virou a referência para as pessoas,
desconectando-as das características únicas da comida artesanal.
É
preciso, primeiro, reconectar o homem com as origens da cozinha: o
ingrediente e o fogo, disse. A aula foi um sucesso (quem reclamou da
troca de tema recebeu o dinheiro de volta).
"Minha
relação com o fogo começou na infância, na Argentina, na casa dos meus
avós no subúrbio, onde eu passava os fins de semana." conta a chef
"Minha
relação com o fogo começou na infância, na Argentina, na casa dos meus
avós no subúrbio, onde eu passava os fins de semana." conta a chef Foto:
Jason Lowe
Os dourados, tostados e queimados
aparecem nesta reportagem em belíssimo trabalho conjunto da chef com o
marido dela, o fotógrafo britânico Jason Lowe, especializado em
gastronomia. O casal, que está fazendo um livro que sai no segundo
semestre, fez este ensaio fotográfico para o Paladar em janeiro, na
cozinha do restaurante Marismo, em José Ignácio, perto de Punta del
Este, no Uruguai. A entrevista/depoimento à editora do Paladar, Patrícia
Ferraz, que você confere abaixo, foi feita em São Paulo.
"COM O FOGO, A GENTE TEM DE ESTABELECER UM RELACIONAMENTO"
TEXTO | Paola Carosella
Minha
relação com o fogo começou na infância, na Argentina, na casa dos meus
avós no subúrbio, onde eu passava os fins de semana. Não era uma casa
grande, mas tinha quintal com horta e alguns animais. Eles faziam tudo
em casa. Meus avós vieram da Itália e juntaram duas culturas, trouxeram o
hábito de criar animais e cultivar legumes e verduras em casa e, na
Argentina, desenvolveram o gosto pelas carnes, pela grelha e pelo fogo.
A
argentina ensina: preaqueça o forno a 160ºC e, para testar o ponto,
abra o forno e aproxime a mão, conte até cinco ou seis. "Se não
aguentar, está no ponto."
Entre tostado e queimado
Para a chef Paola Carosella, o limiar é definido pelo sabor: "Qual o
limite? É o sabor: quando ele deixa de ser agradável, quando amarga é
porque o alimento queimou".
Empanada
Para a argentina, o cozinheiro deve ter paciência com o fogo. "As
pessoas têm mania de ficar mexendo o tempo todo, a comida precisa ficar
quieta para fazer a caramelização".
Aves
Para assar um frango inteiro, ponha um limão dentro dele e leve ao
forno por 20 minutos. Tire-o do forno, aumente a temperatur... Leia mais
No Uruguai
A edição traz fotos do ensaio com Paola Carosella feito por seu
marido, o fotógrafo britânico Jason Lowe, na cozinha do restaurante
Marismo, ... Leia mais
Ingredientes
Para a chef, nos últimos anos, a indústria (com seus pães e bolos de
cores uniformes) ajudou a desconectar as pessoas das características
únicas da comida artesanal.
Carvão
"Minha relação com o fogo começou na infância, na casa dos meus avós.
Eles vieram da Itália e, na Argentina, desenvolveram o gosto pelas
carn... Leia mais
Tostado por fora
Depois de assar em cima da brasa de carvão, o vegetal mostra seu interior, protegido da queima e pronto para comer.
Massas
Segundo Paola Carosella, o primeiro impulso é tirar do forno pães e
bolos quando ainda estão amarelos. "Espere um pouco, acenda a luz do... A
argentina ensina: preaqueça o forno a 160ºC e, para testar o ponto,
abra o forno e aproxime a mão, conte até cinco ou seis. "Se não
aguentar, está no ponto."
A chef
A argentina Paola Carosella, dos restaurantes Arturito e La Guapa,
fala sobre níveis da ação do fogo em ingredientes: dos dourados aos
queimados.
Em pouco tempo, a casa deles já
tinha grelha, fogão e fogo de chão e às vezes eles ainda inventavam
algum outro método – para fazer caracóis, por exemplo, colocavam um
disco de arado sobre a brasa, temperavam os caracóis com vinho branco,
alho e salsinha, a gente comia com palito, era uma delícia.
Meu
avô era caminhoneiro, fazia seu vinho patero (se chama assim quando a
uva é amassada com as patas, os pés), que bebia num copo de inox com
soda, e fazia grappa. As bebidas e os picles e conservas ficavam
guardadas no sótão, os queijos também eram colocados ali para maturar e
depois serem ralados. Nos fins de semana, eles montavam mesonas e vinha a
família. Primeiro tinha o macarrão, feito em casa, com molho de tomate,
depois carnes e doces, tudo grelhado.
Mais do
que com o fogo, minha ligação desde pequena foi com o ciclo da comida –
cultivar, colher, cozinhar, conservar. Minha escolha foi sempre cozinhar
de modo simples, isso não tem a ver com tendências. Em algum lugar
dentro de mim esse ciclo agroeconômico social se completa.
Fui
amadurecendo o que sabia de grelha, forno a lenha e fogo de chão quando
comecei a trabalhar com o Francis Mallmann, em 1997. Trabalhei com ele
até 2003 em diferentes lugares, no restaurante em Mendoza, na Patagônia,
nos Hamptons, fizemos várias viagens. E aprendi com o Francis a
cozinhar no infernillo, o forno a lenha a 600ºC – o Francis gosta de
queimar um pouco as coisas.
Com o tempo,
aprendi a controlar os dourados, tostados e queimados. O que acontece é
que, através da caramelização dos açúcares e da reação de Maillard, a
cor, a textura e o sabor dos alimentos mudam. As nuances de sabor surgem
à medida que o fogo age sobre o alimento. É interessante explorar as
possibilidades, mas é preciso saber quando parar. Qual o limite? É o
sabor: quando ele deixa de ser agradável, quando amarga é porque o
alimento queimou. Com o fogo a gente tem de estabelecer um
relacionamento e ir entendendo o tempo dele, isso requer experiência.
Comece com um douradinho leve e vá ousando. E, na hora de servir, o
segredo é sempre combinar tostados e queimados com uma coisa neutra.
PARA DOMAR O CALOR
NO FOGÃO
Para
dourar numa frigideira: primeiro, aqueça a frigideira e só depois
coloque a gordura escolhida. Espere aquecer. Qual a temperatura certa
para dourar? Aproxime a mão da panela até a distância de 5 centímetros e
conte até três. Se não aguentar mais, pode colocar o alimento. Tem de
fazer txiii. Para caramelizar, use uma panela rasa. Se a frigideira tem
bordas altas, será mais difícil atingir uma cor bonita. Para selados
bonitos, use uma chapa de borda baixa. O calor precisa ser seco.
Quando
a frigideira estiver no ponto, corte alguns tomates ao meio, tempere
com sal e vá fritando como se fosse um bife. Quando pegar cor, abaixe o
fogo, cuidando para não queimar a superfície antes de cozinhar o tomate
por dentro.
Corte uma abóbora em pedaços, ponha
numa panela pequena, ponha água fria só até cobrir a abóbora, tempere
com um pouco de sal, um dente de alho e uma fatia de gengibre. Deixe
cozinhar. Quando a água secar, vá colocando azeite aos poucos, mexendo
para dourar. Dá para fazer o mesmo com talos de brócolis, couve...
Para
fazer um bife, não use panela alta, pois ela vai juntar água e a carne
vai cozinhar em vez de fritar. E atenção à relação entre o tamanho do
bife e o tamanho da frigideira: você precisa deixar pelo menos dois
centímetros entre a carne e a borda da frigideira, espaço para evaporar a
água que a carne solta, senão não se forma a crosta. Melhor mesmo é
usar uma chapa.
Aproveite o fim da temporada de
quiabos (para escolher, dobre as pontas; o sinal de que estão bons é as
pontas quebrarem de uma só vez). Aqueça uma frigideira de fundo grosso,
espalhe um pouco de azeite na superfície (só um pouco, não é para
fritar por imersão…). Corte os quiabos ao meio no sentido longitudinal,
tempere com um pouco de sal e deixe dourar.
Não
mexa. Espere (as pessoas têm mania de ficar mexendo o tempo todo, mas a
comida precisa ficar quieta para fazer a caramelização). Depois de 4 ou
5 minutos, chacoalhe a panela levemente, o que estiver cozido se solta,
o resto continua grudado. Quando estiverem todos os quiabos prontos, é
só servir com arroz e ovo frito.
Caqui ainda
está em temporada. Compre uns caquis duros, ponha na frigideira bem
quente untada com um pouco de manteiga clarificada ou óleo de coco, não
precisa colocar açúcar. Deixe dourar. Se quiser, ponha uma colher de
café de cachaça um pouco antes de tirá-los do fogo, só para perfumar.
Sirva os caquis com iogurte ou sorvete de baunilha ou ainda com ricota
bem fresca.
NO FORNO
Para
assar, é fundamental preaquecer o forno por alguns minutos, em
temperatura média – 160ºC. Para testar o ponto, abra o forno e aproxime a
mão, conte até cinco ou seis. Se não aguentar, está no ponto.
É
sempre bom temperar e marinar carne e frango um dia antes – ou algumas
horas, no caso de peixe. O ideal é levá-los ao forno com cebola, cenoura
ou algum outro legume que solte água e mantenha a umidade.
O
processo de assar deve ser lento, para que a gordura da superfície vá
derretendo – a água vai se espalhando, conduzindo a gordura enquanto o
alimento vai cozinhando.
Comece a assar pedaços
grandes em fogo baixo. Na fase final de cocção, a gente tira a peça do
forno, aumenta a temperatura ao máximo, espera alguns minutos e põe a
carne de volta para dourar a superfície, por dez minutos. Calcula-se de
15 a 18 minutos por quilo de carne ou frango e depois mais 10 minutos
para dourar.
Quando o forno estiver no ponto:
asse um frango inteiro. Tempere na véspera o frango com sal, pimenta e
nacos de manteiga (levante a pele e passe por baixo). Ponha um limão na
cavidade do frango e, se quiser, alecrim. Preaqueça o forno a 160ºC.
Descasque e corte em rodelas duas cebolas e ponha numa assadeira, com o
frango por cima e asse por mais ou menos 20 minutos. Tire o frango do
forno, aumente a temperatura ao máximo, espere alguns minutos, ponha o
frango de volta ao forno e asse por mais 15 minutos, até que fique bem
tostado.
Banana-verde fica ótima assada. É só
aquecer o forno, colocar as bananas com casca e assar até a casca ficar
preta. Tire do forno, descasque e sirva com canela.
Para
assar beterrabas, ponha 4 colheres de sal grosso em uma assadeira,
ponha 12 beterrabas por cima e leve ao forno até que esteja macia – para
testar o ponto, espete um palito e veja se está tenra. Ficam boas com
molho ponzu com suco de laranja e tamarindo, acompanhadas de quinoa.
Pão,
bolo, empanada: o primeiro impulso é tirar do forno quando estão
amarelos. Mas espere um pouco, acenda a luz do forno, fique olhando e
espere até que tenham atingido um dourado. A cor fica irregular. Quando
as bordas estiverem mais escuras, o sabor vai mudar completamente.
Experimente!
Fonte Blog Paladar/Estadão
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