E quer emagrecer
também? Pare de fazer dietas. É o que aconselha a nutricionista Sophie
Deram, 50, francesa e naturalizada brasileira, em seu livro "O peso das
dietas" (editora Sensus), lançado em dezembro do ano passado, em São
Paulo. Doutora em endocrinologia e pesquisadora da USP, ela é contra
regimes restritivos. Baseia-se em estudos que demonstram que eles podem
até funcionar no começo, mas cerca de 95% das pessoas voltam ao peso
inicial.
Isso acontece, segundo ela, porque o cérebro entende
essa mudança repentina na alimentação como um perigo e se adapta para
reter mais gordura. "A dieta estraga o cérebro", diz ela. A seguir,
trechos da sua entrevista à Folha.
Folha - Por que a sra. defende gordura e é contra as dietas?
Sophie
Deram - Sempre achei sem noção essa guerra contra a gordura. Ela sempre
fez parte da minha vida. Claro que sem exagero, mas, na França, comia
manteiga de manhã, queijo, foie gras.
Quando me mudei para o Brasil,
fui trabalhar com genética e obesidade infantil. Fiz doutorado e percebi
que as crianças obesas, mesmo com a maior vontade do mundo, não
conseguiam emagrecer quando tinham um problema de comportamento
alimentar. O que me assustou foi ver que 95% das pacientes com
transtorno alimentar tinham começado fazendo dieta. A dieta estraga o
cérebro.
Como nutricionista, a sra. nunca prescreveu dietas?
Nunca
consegui fazer isso. Como poderia para falar para alguém: "Amanhã, ao
meio-dia, coma duas colheres de arroz". Quem sou eu para saber a fome
que ela terá amanhã no almoço?
Fiz pesquisas de genética do
transtorno alimentar, coordenando no Hospital das Clínicas o banco de
DNA dos pacientes que têm transtornos alimentares. O que controla o
nosso peso é o nosso cérebro. Ele controla nossas emoções, a fome, a
saciedade. Às vezes, a gente come sem controlar, sem planejar.
O que acontece com o cérebro quando fazemos dieta?
Nós
assustamos o cérebro. Ele reconhece a dieta como um perigo e desenvolve
mecanismos de proteção. Cerca de 95% das pessoas que fazem dieta voltam
a engordar, às vezes até mais.
Estudos com gêmeos idênticos mostram
que o gêmeo que faz dieta é mais gordo do que o gêmeo que não fez. A
ciência já demonstrou que fazer dieta engorda. E o que normalmente
mandam o obeso fazer? Fechar a boca e malhar. São duas ações que
aumentam o apetite.
As dietas têm risco em potencial de fazer a
pessoa desenvolver transtornos alimentares. É claro que não acontecerá
com todos. Aí entra a genética. Estudos mostraram que, se você tem
determinado gene, há mais risco de desenvolver bulimia se fizer uma
dieta. Esse gene está em 30% da população.
Mas dietas são passadas por médicos e nutricionistas...
Sim.
Mas eles não conseguem mudar a cabeça. Isso é que foi ensinado pra
gente. Eu aprendi que o peso é resultado daquilo que você come menos
aquilo que você gasta. Não concordo com essa simplificação do peso.
Claro que é importante não comer demais, não liberar tudo.
Quem fez
muita dieta vai comer muito. É uma adaptação do cérebro. Quanto mais
você faz dieta, mais apetite você vai ter. E esse aumento do apetite
permanece por pelo menos um ano depois da dieta. Você vai engordar
porque o corpo quer proteger você de uma próxima escassez.
Essas dietas que cortam carboidratos e contam calorias, são inúteis a longo prazo?
Inúteis
eu nunca vou falar porque sou cientista. O que eu estou dizendo é que,
fazer esse tipo de dieta te coloca em risco de engordar, de desenvolver
transtorno alimentar. Isso é uma bomba, especialmente para os nossos
jovens em crescimento. Mães que têm medo que a criança engorde tentam
restringir [a comida]. Isso a leva comer escondido, mesmo sem fome ou a
comer sem limite.
Como os pais devem agir?
O trabalho dos
pais é oferecer comida de qualidade. Em casa, tenha uma rotina, cozinhe.
Não precisa proibir doces, por exemplo, mas que o consumo seja
ocasional. Não entupa seu filho de refrigerante no almoço, a melhor
bebida que existe é água.
É a primeira coisa que eu negocio com as
crianças: diminuir sucos e refrigerantes e beber mais água. Eles me
olham e dizem: "Ahhh, vai ser horrível!" Depois voltam muito felizes pra
me contar: "Eu consegui beber água".
É impressionante, mas tem crianças bebendo mais de um litro de suco por dia.
A questão é que, para muitos pais que trabalham fora, fica difícil essa rotina de cozinhar, fazer sucos naturais...
Não
precisa cozinhar coisas complicadas. É possível fazer um jantar em 15,
20 minutos. O negócio é se organizar para não acontecer de chegar em
casa cansado, com fome, e não ter nada na geladeira.
O que vai fazer?
Vai pedir comida ou sair para comer um lanche rápido. Quanto mais você
conseguir incluir alimentos da natureza, para quais o nosso corpo foi
programado, melhor.
É comum alguns alimentos, serem demonizados e outros endeusados. Há interesses comerciais nesse jogo?
Não
existe um alimento que vai salvar a sua vida. Nosso corpo precisa de
variedade, de qualidade. Nosso cérebro está aqui procurando o melhor
bem-estar possível. Mas se a gente o agride o tempo todo, ele precisa se
defender ganhando gordura. A gordura nos salvava nas cavernas. Nosso
cérebro pensa que gordura é proteção.
Gordura então faz bem?
Não
estou dizendo para as pessoas se entupirem de gordura. Mas não
deveríamos demonizá-la. Isso foi um dos maiores erros da nutrição. A
gordura foi demonizada por estudos que associavam seu consumo a uma
maior incidência de doenças cardiovasculares. Hoje a gente vê que foram
estudos malfeitos. A partir disso, o mundo começou uma guerra contra a
gordura. E a indústria se adaptou a isso. Não acredito em conspirações
da indústria. Ela precisa vender. E o que você coloca para substituir a
gordura? Açúcar, carboidrato. O excesso de carboidrato aumenta o risco
de doenças cardiovasculares.
Você acredita que as pessoas estejam com medo de comer?
Sim,
as pessoas estão assustadas. Eu sempre digo: pare de pensar, não
precisa ser uma nutricionista para comer bem. Volte a lembrar do seu
avô. Ele não se pesava, comia café da manhã, almoço, lanche da tarde,
jantar, e ele estava bem.
Mas no passado as pessoas eram mais ativas, não?
Acho
que elas tinham menos estresse. Muitas pessoas fazem academia hoje e
nem por isso estão mais magras. Você precisa ser ativo, andar a pé, de
bicicleta. Para muitas pessoas, academia é uma tortura. Atividade física
tem que ser prazerosa, não é para ser difícil e só ser feita se tiver
muita força de vontade.
Qual o seu principal conselho para quem busca perder peso?
A
pessoa precisa se perguntar por que quer perder peso. Se é porque acha
que ser magro é mais bonito, deve pensar que isso pode ser contra a sua
genética. Tenho pacientes que começaram dietas querendo perder três
quilos e, 20 anos depois, estavam com 20 kg a mais.
Se for pra
resolver um problema de saúde, resolva, mas vá atrás de saber o que fez
você engordar. Faça as pazes com você. Esse é um exemplo fantástico aos
nossos filhos para que eles não tenham que viver a guerra com a comida
que a gente vive agora.
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