terça-feira, 19 de abril de 2016

"Eu fui"! Veja a selfie.

                     

A chamada 'Coachellização' do mundo, que vem mexendo demais com o ego das pessoas.   É o alerta dado por Jorge Grimberg, empresário, escritor, consultor de moda e especialista em tendências.

Foi-se o tempo em que os jovens buscavam rebeldia, auto-conhecimento e liberdade de expressão. O choque cultural entre pais e filhos faz com que a indisciplina pule uma geração. Em contrapartida aos grunges, ravers e clubbers dos anos 90, a geração jovem da segunda década do século XXI está mais careta e insossa do que nunca, mais preocupada com uma boa foto do que com uma experiência verdadeira.

Com as câmeras do Snapchat ligadas a todo instante, a turma 'influenciadora' nascida entre 1980 e 2000, conhecida como Millenials, foca no engajamento coletivo baseado na imagem e na promoção de produtos, uma forma de financiar suas viagens e engordar suas contas bancárias.

Nas imagens do Instagram dessas meninas no Coachella, que rola agora na Califórnia, vemos muitos shorts jeans cortados, botas de cowboy, franjas e cabelos coloridos. Muitas vezes o visual das personalidades digitais é desenvolvido por produtores de moda e stylists, que, com a falta de oportunidades no mercado, arrumam as malas das neo-musas e desenvolvem verdadeiros manuais passo-a-passo de estilo.

O resultado: um conjunto de caras, bocas, tanquinhos e merchandising, com muitos filtros de luz, aperfeiçoamento de pele e rosto e muitos taggeamentos de marcas e 'amigos'. A geração 'Coachella' pode ser considerada a mais sem graça das últimas décadas. É claro que esse movimento não é apenas brasileiro, e, sim, global, mas em cada canto do mundo, ele se reflete de maneira distinta.

Na Europa, o puro merchandising não é tão popular e os festivais são mais focados em experiência do que em divulgação. Nos Estados Unidos, o merchandising é mais elaborado e inteligente. No Brasil, o Instagram tornou-se uma feira de livre comércio. 

Desde meados do século XX, os movimentos de moda jovem sempre vêm embalados em movimentos de subcultura. Dos festivais dos anos 1960, à era disco, ao punk e ao grunge, ícones como Janis Joplin, Billy Idol, Bianca Jagger e Kurt Cobain imortalizaram a relação da moda com a música. O senso estético desses rebeldes recriou o estilo jovem no século XX e ainda influencia o comportamento atual. 

O brasileiro atua de maneira diferente. Acostumado a viver na periferia do mundo, em que os movimentos chegam com atraso, ele faz apenas uma apropriação cultural, por meio da imagem, em um copy/paste de personalidades repleto de 'taggeamentos' de marcas patrocinadoras.

O movimento vai muito além do Coachella. No baile de gala amFar, que aconteceu na sexta, 15, em São Paulo, 1,6 milhão de dólares foram arrecadados para a pesquisa da cura do HIV. Porém, looks exclusivos, selfies e convidados VIP prevaleceram na divulgação do evento. "Tem poucos gays que investem na causa, né? Vemos muito mais empresários, artistas e socialites aqui, certo?", comentou um célebre anônimo que havia comprado convite da última edição do baile, refletindo sobre a falta do apoio da comunidade gay à causa.

O amFar virou um palco. Assim como o Coachella e a São Paulo Fashion Week. As câmeras estão viradas para si mesmo e, o homem comum, nas redes sociais, assumiu o papel de repórter da vida real - desde que ele seja sempre o protagonista.

Para esse grupo demográfico, as atenções se voltam mais para os retratos e vídeos do que para as bandas do Coachella, por exemplo, que apresenta alguns dos melhores shows da atualidade, como Sia e A$AP Rocky, ou na causa do amFar, que segue sendo uma questão muito séria, especialmente entre a comunidade gay. 

 Até no SPFW, cada vez mais, os desfiles perdem espaço para o quem-é-quem das primeiras filas e, claro, os looks dos convidados, promovidos por eles mesmos. Parece que mais importante do que moda, música ou filantropia é mostrar para todo mundo que você foi. 

Nesse contexto, centenas de corporações realocam verbas de marketing investindo em pessoas que se tornaram outdoors ambulantes de sapatos, bolsas e óculos de sol, e menos em mídias tradicionais, que investem em pesquisa e profundidade de conteúdo. 

Como comentei no começo da coluna, que todo movimento extremo gera o oposto, espero que a geração Z, nascida após 1995, atinja o mercado mostrando que está cansada dessa falsidade. Desejo ainda que o jornalismo investigativo e profundo volte à tona e que as câmeras mudem de lado para que, em vez de retratar indivíduos, passem a mostrar a realidade a nossa volta. 

Fonte Estadão

Nenhum comentário:

Postar um comentário