A chamada
'Coachellização' do mundo, que vem mexendo demais com o ego das pessoas.
É o alerta dado por Jorge Grimberg, empresário, escritor, consultor
de moda e especialista em tendências.
Foi-se o
tempo em que os jovens buscavam rebeldia, auto-conhecimento e liberdade
de expressão. O choque cultural entre pais e filhos faz com que a
indisciplina pule uma geração. Em contrapartida aos grunges, ravers e
clubbers dos anos 90, a geração jovem da segunda década do século XXI
está mais careta e insossa do que nunca, mais preocupada com uma boa
foto do que com uma experiência verdadeira.
Com
as câmeras do Snapchat ligadas a todo instante, a turma
'influenciadora' nascida entre 1980 e 2000, conhecida como Millenials,
foca no engajamento coletivo baseado na imagem e na promoção de
produtos, uma forma de financiar suas viagens e engordar suas contas
bancárias.
Nas imagens do Instagram dessas
meninas no Coachella, que rola agora na Califórnia, vemos muitos shorts
jeans cortados, botas de cowboy, franjas e cabelos coloridos. Muitas
vezes o visual das personalidades digitais é desenvolvido por produtores
de moda e stylists, que, com a falta de oportunidades no mercado,
arrumam as malas das neo-musas e desenvolvem verdadeiros manuais
passo-a-passo de estilo.
O resultado: um
conjunto de caras, bocas, tanquinhos e merchandising, com muitos filtros
de luz, aperfeiçoamento de pele e rosto e muitos taggeamentos de marcas
e 'amigos'. A geração 'Coachella' pode ser considerada a mais sem graça
das últimas décadas. É claro que esse movimento não é apenas
brasileiro, e, sim, global, mas em cada canto do mundo, ele se reflete
de maneira distinta.
Na Europa, o puro
merchandising não é tão popular e os festivais são mais focados em
experiência do que em divulgação. Nos Estados Unidos, o merchandising é
mais elaborado e inteligente. No Brasil, o Instagram tornou-se uma feira
de livre comércio.
Desde meados do século XX,
os movimentos de moda jovem sempre vêm embalados em movimentos de
subcultura. Dos festivais dos anos 1960, à era disco, ao punk e ao
grunge, ícones como Janis Joplin, Billy Idol, Bianca Jagger e Kurt
Cobain imortalizaram a relação da moda com a música. O senso estético
desses rebeldes recriou o estilo jovem no século XX e ainda influencia o
comportamento atual.
O brasileiro atua de
maneira diferente. Acostumado a viver na periferia do mundo, em que os
movimentos chegam com atraso, ele faz apenas uma apropriação cultural,
por meio da imagem, em um copy/paste de personalidades repleto de
'taggeamentos' de marcas patrocinadoras.
O
movimento vai muito além do Coachella. No baile de gala amFar, que
aconteceu na sexta, 15, em São Paulo, 1,6 milhão de dólares foram
arrecadados para a pesquisa da cura do HIV. Porém, looks exclusivos,
selfies e convidados VIP prevaleceram na divulgação do evento. "Tem
poucos gays que investem na causa, né? Vemos muito mais empresários,
artistas e socialites aqui, certo?", comentou um célebre anônimo que
havia comprado convite da última edição do baile, refletindo sobre a
falta do apoio da comunidade gay à causa.
O
amFar virou um palco. Assim como o Coachella e a São Paulo Fashion Week.
As câmeras estão viradas para si mesmo e, o homem comum, nas redes
sociais, assumiu o papel de repórter da vida real - desde que ele seja
sempre o protagonista.
Para esse grupo
demográfico, as atenções se voltam mais para os retratos e vídeos do que
para as bandas do Coachella, por exemplo, que apresenta alguns dos
melhores shows da atualidade, como Sia e A$AP Rocky, ou na causa do
amFar, que segue sendo uma questão muito séria, especialmente entre a
comunidade gay.
Até no SPFW, cada vez mais,
os desfiles perdem espaço para o quem-é-quem das primeiras filas e,
claro, os looks dos convidados, promovidos por eles mesmos. Parece que
mais importante do que moda, música ou filantropia é mostrar para todo
mundo que você foi.
Nesse contexto, centenas
de corporações realocam verbas de marketing investindo em pessoas que se
tornaram outdoors ambulantes de sapatos, bolsas e óculos de sol, e
menos em mídias tradicionais, que investem em pesquisa e profundidade de
conteúdo.
Como comentei no começo da coluna,
que todo movimento extremo gera o oposto, espero que a geração Z,
nascida após 1995, atinja o mercado mostrando que está cansada dessa
falsidade. Desejo ainda que o jornalismo investigativo e profundo volte à
tona e que as câmeras mudem de lado para que, em vez de retratar
indivíduos, passem a mostrar a realidade a nossa volta.
Fonte Estadão
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