Um novo livro lançado nos EUA vem chamando a atenção ao quebrar
paradigmas da cozinha e propor métodos mais eficientes, e pouco
ortodoxos, para fazer comida no dia a dia. E não é coisa de charlatão:
testamos todos, anuncia o blog do Estadão.
A cozinha é terreno fértil para toda sorte de manias, mitos e
superstições. À beira do fogão, você já deve ter ouvido um amigo ou tio,
metido num avental, proferir frases como: “eu sempre fiz assim, por que
vou mudar agora?” Ou: “minha avó me ensinou, não tem erro – tradição de
família!”. Ou ainda o assoberbado “acredita em mim: vai dar certo!”.
Realmente, muitas vezes funciona: sabedoria popular e crendices estão,
pelo menos em parte, fundadas em verdades. O problema é quando dá
errado. Pior ainda, há quem persista no erro – e a isso costuma-se
chamar burrice.
Nessa hora, pode ser boa
ideia recorrer à ciência e a seu método que tantas coisas boas legou à
humanidade (vide o ar condicionado e o rodinho de pia). É o que propõe o
escritor/cientista/nerd da cozinha James Kenji López-Alt. O americano é
autor do livro The Food Lab – Better Home Cooking Through Science
(ainda sem edição em português), best-seller lançado no fim do ano
passado nos Estados Unidos, e escreve o blog Serious Eats. Ele é um guru
da cozinha na internet. Não gosta de deixar perguntas sem resposta nem
aceita repetir procedimentos culinários só porque “sempre fizeram assim”
(leia a entrevista aqui).
Assim, ao longo dos
anos, foi questionando tudo o que era dado como verdade e,
principalmente, pôs tudo à prova: tentativa e erro, tentativa e erro,
tentativa e erro – acerto e, enfim, perfeição. Suas experiências
aparecem agora no seu novo catatau de 906 páginas (boa parte de suas
descobertas ficou de fora).
Inspirado pelo
livro e pelos princípios enunciados por López-Alt, o Paladar testou
alguns dos mitos destruídos pelo autor numa cozinha caseira. Não que ele
tenha sido o primeiro a destruí-los, mas ele certamente é um dos mais
obsessivos em testar e explicar o porquê das coisas. Escolhemos aqui
três métodos ou manias tradicionais que muito cozinheiro caseiro – e até
alguns profissionais – praticam sem pensar.
Nesta
reportagem você descobre que não precisa de um montão de água fervente
para cozinhar massa ou que pode temperar o bife bem antes de levá-lo à
chapa, onde ele pode ser virado à vontade sem que resseque ou perca
aquela bela crosta dourada. Não acredita? Leia o relato abaixo e tire
suas conclusões. Melhor: vá para a cozinha e faça você mesmo.
OS MITOS DA COZINHA
1- Massa em água abundante:
Como
diz López-Alt em seu livro, as avós italianas que me desculpem, mas
cozinhar a massa em muitos litros de água fervente não é necessário.
Basta o suficiente de água para cobrir a massa, e basta levar a água à
fervura. Depois você joga o fusilli, o penne ou o zitti (esse truque
funciona melhor com massas curtas), tampa a panela e apaga o fogo.
O
negócio funciona, eu testei – vencendo toda a incredulidade. O
princípio é que, com menos água, numa panela menor, a energia se dissipa
menos, e a temperatura necessária para se cozinhar a massa é atingida
mais facilmente.
Além disso, tem um bônus: a
água fica mais concentrada em amido – o que ajuda o molho a ficar
incrivelmente mais cremoso. E você ainda economiza gás, água e tempo.
Aqui
no Brasil, por exemplo, a marca de restaurantes Spolleto, especializada
em massas, já faz isso há muito tempo. Quando você faz o pedido de um
tipo de massa, ela já vem com o peso certo e é posta para cozer em pouca
quantidade de massa.
2- Virar o bife na frigideira
A
lenda de que selar um bife mantém a carne mais suculenta, impedindo que
ela perca umidade interna, já foi desmentida há muito tempo. O
cientista/escritor Harold McGee explicou isso em 1984. Está lá no seu
livro Comida & Cozinha, para quem quiser ler. Muita gente, porém,
ainda acredita nisso.
López-Alt ataca de novo
esse mito e ainda explica que você pode virar o bife diversas vezes
(coisa que McGee também já havia provado em 2009). Virar o bife várias
vezes resulta num cozimento mais homogêneo e veloz da carne, pois a
temperatura interna do bife sobe mais rapidamente. Em The Food Lab é
indicado o uso de um termômetro para acertar o ponto da carne, mas eu
não tinha um em casa. Segui os tempos da receita e um pouco de feeling
científico – e deu certo: o bife ficou suculento e com boa crosta.
3 - Salgar a carne antes de levar ao fogo:
De
quebra, López-Alt derruba outro mito: você pode – aliás, deve, se tiver
tempo – salgar a carne bem antes de levá-la ao fogo. O ideal é salgá-la
pelo menos 40 minutos (ou mais!) antes de prepará-la. É que, depois de
40 minutos, os sucos absorvidos pelo sal na superfície voltam para
dentro da carne e, daí em diante, atingem níveis cada vez mais profundos
das fibras do bife. Sem tempo, o melhor é mesmo salgar um pouco antes
de cozinhar (três minutos no máximo).
4- Fazendo o bife com a carne na temperatura ambiente
Por
fim, não faz diferença deixar o bife à temperatura ambiente ou levá-lo à
frigideira direto da geladeira. López-Alt mostra que a diferença de
temperatura vira irrelevante no momento em que a carne é exposta ao
calor intenso da chapa.
5 - Não pode parar de mexer o risoto:
López-Alt
não diz que o método tradicional dá errado, mas que é absurdamente
ineficiente. Palavras desabusadas do autor: “A essa altura do campeonato
tem alguém no mundo, além de italianos linha-dura, que não sabe que dá
para fazer um risoto delicioso, al dente e perfeitamente mantecato sem
preaquecer o caldo ou mexer o arroz constantemente?” Pois bem, eu era
esse alguém. E na primeira tentativa de fazer o risoto sem mexer –
desafortunadamente no dia da foto que vai nesta matéria – não foi uma
maravilha: resultou pouco cremoso, quebradiço. Não ficou ruim, mas da
forma tradicional fica melhor.
Dei nova chance
no dia seguinte, usando caldo caseiro, seguindo à risca a receita. Deu
certo. Sim: dá para fazer um ótimo risoto usando uma frigideira alta
(!), com caldo frio, mexendo duas ou três vezes. Basta lavar o arroz no
caldo para preservar o amido e seguir os tempos de cozimento. O sucesso
da receita tem a ver com a distribuição de calor homogênea da
frigideira, que cozinha o arroz sem que você precise ficar mexendo. (Ah,
no livro há um macete, opcional, heterodoxo: adicionar creme de leite
antes de servir. Não fiz isso e ainda assim ficou bom. Ponto para a
ciência.)
6 - Sal e vinagre na água do ovo
A
lenda não resiste à experiência e à observação atenta. O autor de The
Food Lab é particularmente obsessivo em testar os métodos de preparo de
ovos. Nesse caso, depois de várias tentativas, concluiu que o que faz a
diferença para que um ovo cozido descasque mais fácil é levá-lo à água
já fervendo – e não ferver o ovo junto com a água. Não é preciso nem
mesmo deixar o ovo a temperatura ambiente. Tire-o da geladeira e leve-o
direto à água borbulhante. Depois descasque sob água gelada corrente.
7 - Usar óleo para elevar a temperatura na queima da manteiga:
A
mistura das duas gorduras vai continuar queimando na temperatura da
manteiga. São as proteínas do leite que queimam e elas não se importam
se são aquecidas em óleo ou gordura de manteiga. A única boa razão para
combinar os dois é o sabor.
8 - Não espetar a carne:
A
feitura de bifes e carnes é talvez o campo mais prolífico para lendas e
superstições. Pense no tiozão do churrasco da sua família e suas
regras. O fato é que espetar a carne para virá-la não gera uma perda
significativa ou perceptível à boca humana. Pense numa piscina olímpica
cheia de bexigas d’água. Espetar um garfo no bife é como jogar uma
agulha na piscina – talvez algumas bexigas estourem, mas o efeito é
risível.
9 - Frite em alta temperatura:
Não
há dúvidas de que fritar a temperaturas altas vai deixar sua batata ou
bolinho mais crocante. Mas a verdade é que quanto mais quente o óleo,
mais gordura será absorvida pela comida. Isso porque a água dentro da
batata, por exemplo, vira vapor quando entra no óleo quente (por isso as
bolhas na fritura). Quando o vapor d’água é expulso, logo é preenchido
pelo óleo. Portanto: quanto mais quente a fritura, mais gordura
absorvida. Aquela sensação de oleosidade numa fritura em baixa
temperatura se deve à água que restou no alimento combinada à gordura
que fica na superfície – pois, na verdade, essa fritura tem menos óleo
na sua massa.
10 - Não escove os cogumelos:
Esqueça
ficar escovando os cogumelos um por um. Pode lavar na água à vontade. A
quantidade de líquido que eles absorvem é irrelevante – a maior parte
fica na superfície. Por isso, o importante é secá-los com papel toalha
ou mesmo em um secador de salada giratório.
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