terça-feira, 10 de novembro de 2015

Porque pratos gourmet custam até 344% a mais?


                            

CT Burger, o hambúrguer do chef Claude Troisgos, por exemplo, custa R$ 48. Especialistas tentam explicar o que acontece em reportagem do Extra deste domingo.


Sofisticação, em primeira análise, não combina com crise. Mas não é o que pensam os donos de bares e restaurantes que investem cada vez mais em versões chiques de alimentos populares. A chamada “gourmetização”, porém, tem um preço alto. Um levantamento feito pelo EXTRA mostra dez produtos gourmet que chegam a ser até 344% mais caros, em média, do que os tradicionais.

Antes de se render à onda gastronômica mais elaborada, o consumidor precisa distinguir o que é ou não gourmet, para não comprar gato por lebre. Especialistas em gastronomia explicam que o conceito exige que o alimento seja realmente diferente do que existe por aí. Entre os produtos gourmet pesquisados, por exemplo, está a tapioca do food truck Tapí. De acordo com a idealizadora Marianna Ferolla, a goma usada no preparo não é industrializada, mas produzida pela própria empresa. Além disso, as tapiocas — que custam de três a quatro vezes a média de preços cobrada no Rio — têm recheios especiais, como o de queijo brie com mel trufado e amêndoas torradas.

— Fazemos gomas de beterraba e café, e lançamos uma de maracujá. Compramos a fécula de mandioca e hidratamos as gomas com sucos de frutas ou de legumes — explicou.

Há, no entanto, casos em que o único diferencial do produto é o preço — bem mais alto. Outro food truck que circula pela cidade, o Expresso Tapioca cobra R$ 15 por cada uma — três vezes o preço médio pago no Rio —, mas, segundo os funcionários, a goma é industrializada. Além disso, os mais de 20 recheios disponíveis não são diferentes dos que geralmente são encontrados em outros lugares.

Por conta disso, a onda gourmet já virou motivo de piadas na internet. Criador do site “Cansei de Miojo”, o chef Rafael Aflalo fez o vídeo “A onda gourmet e o raio gourmetizador” para criticar, de forma bem-humorada, a nova mania (confira a entrevista).

Diferenças nos ingredientes e no preparo

Professores de cursos ligados à gastronomia explicam que, para um prato ser considerado gourmet, devem ser levados em conta não somente os ingredientes usados na preparação, mas as formas como as comidas são feitas.

— O conceito de prato gourmet não está ligado apenas a uma questão refinada, para ficar bonito. Isso também faz parte, mas não para cobrar mais caro. A ideia é proporcionar ao cliente uma experiência interessante, que tem a ver com ingredientes adequados e combinados. É o fato, por exemplo, de utilizar determinadas substâncias na comida, para valorizar o sabor — explicou Eliseu Carlos Gomes, coordenador do Instituto Gastronômico das Américas (IGA), no Rio.

Ana Abaurre, professora de Gastronomia da Estácio, reforça que a qualidade dos ingredientes é uma característica obrigatória nesse tipo de alimento, mas também exige diferenciais.

— Há um hambúrger cuja carne é cortada na ponta da faca e que tem uma qualidade superior, por exemplo — esclareceu Ana Abaurre.

Sobre a lista de produtos gourmet pesquisada pelo EXTRA e listados acima, a professora destacou, por exemplo, que a pipoca gourmet da Pipó é bem mais cara não somente pelos temperos diferentes, mas também pela embalagem.

— A pipoca é servida numa lata, um material de qualidade, algo ao qual os consumidores não estão acostumados. Então, existe um valor agregado ao produto. Por isso, há essa diferença de preços, e quem vende (um produto mais elaborado) acaba cobrando mais caro por ele — declarou a professsora.

ENTREVISTA - Rafael Aflalo, Chef paraense e criador do blog “Cansei de Miojo”

EXTRA: Por que muitos lugares passaram a adotar o nome gourmet nos cardápios?

A gastronomia está em alta no Brasil. Nunca se ouviu tanto a palavra gourmet como agora. Ela está nos jornais, na internet, nas ruas, em todo lugar. Chefs brasileiros estão ganhando prêmios lá fora. Nossos ingredientes têm sido reconhecidos internacionalmente. Tudo isso tem uma influência direta na onda gourmet, e isso não necessariamente deveria ser algo negativo. Acontece que muitos estabelecimentos estão utilizando o termo somente para supervalorizar um produto e cobrar mais por ele.

EXTRA: Como identificar se um prato não é apenas um produto simples com preço mais alto?A palavra gourmet tem origem francesa. Num sentido mais amplo, refere-se a um produto de alta qualidade, que não se inicia na embalagem, muito menos na cozinha. Ela começa na produção da matéria-prima, ainda com o fornecedor de alimentos. Não existe uma fórmula para o gourmet. Essa alta qualidade pode vir de onde menos se espera. Se para o cliente um simples picolé de frutas ou uma paleta mexicana vale o preço pelo produto que recebe, que ele vá em frente.

EXTRA: A denominação gourmet ainda é válida ou se banalizou?

O ideal seria que a onda gourmet de verdade provocasse uma melhoria na qualidade dos produtos e não somente uma mudança nos preços. Acredito que essa denominação ainda procura os meios para se manter válida. Daqui a algum tempo, com a nova geração de profissionais cada vez mais qualificados se formando, haverá a melhoria do mercado. Quando esse dia chegar, a palavra, banalizada ou não, terá concluído seu papel de propor a reflexão, além da conscientização das pessoas sobre alta qualidade.

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