"A História do Romanée-Conti" narra a partir de um crime real a evolução milenar da bebida francesa, a mais cara e disputada do planeta. Depois da nossa cachaça, a bebida preferida do ex-presidente da República Luís Inácio Lula da Silva e do ex-governador de São Paulo, Paulo Maluf. A resenha está na revista Istoé desta semana.
Maximillian Potter cresceu num bairro da Filadélfia onde policiais, bombeiros e cabelereiras se reuniam no final da tarde para beber cerveja Schmidt. Já repórter policial da “Vanity Fair”, não conseguia levar a sério as críticas sobre os vinhos da Borgonha que teve de ler quando a revista decidiu enviá-lo atrás da história de um crime nas vinícolas francesas: o envenenamento da safra 2010 do mítico Romanée-Conti.
O jornalista mal conseguia entender como videiras – as vítimas imediatas da ocorrência que estava incumbido de cobrir –poderiam ser tratadas com tanta reverência, a não ser pelo fato de produzir uvas que, elaboradas e engarrafadas, chegavam a custar US$ 1 milhão a caixa. Algo que para ele também parecia inconcebível.
Depois de alguns meses se embrenhando nas fazendas borgonhesas, Potter se deu conta de que estava diante de algo bem mais interessante do que aquele caso estranho de atentado contra plantas. O que o repórter policial que não gostava muito de vinhos contou três anos mais tarde foi considerado pelo jornal “The New York Times” um dos melhores livros já escritos sobre a bebida sobre a qual não faltam livros. O ritmo é de ficção policial – o que é bom e se torna mais interessante depois das 50 primeiras páginas, momento em que fica claro que é sobre uma investigação real que o jornalista costura a trama. O tecido da costura – e essa é a parte mais preciosa do livro – são quatro fases históricas que constroem a longínqua e impressionante cruzada que faz do Romaneé-Conti o vinho mais caro e uma das bebidas mais cultuadas do planeta.
Os grandes períodos que o escritor descreve paralelamente – mudando de época cada vez que se aproxima de um desfecho, como em um bom romance policial – são a Alta Idade Média, o Iluminismo, a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais, principalmente.
O ritmo é bom, mas existe um desequilíbrio incômodo. A desenvoltura e a perspicácia no trato com os personagens históricos desacelera e se torna reverente ao tratar das figuras reais, as fontes de sua reportagem e depois de seu livro. Aubert de Villaine, atual proprietário do Romanée-Conti e protagonista do livro, é desenhado com uma beatitude que não condiz com o papel executivo e político que assumiu ao chefiar sua empresa. “Monsieur Villaine é sábio o suficiente para perceber, e honesto o bastante para admitir, que quando assumiu o domaine havia gente que achava que ele não tinha sido a escolha mais óbvia para a tarefa”, escreve o narrador, que colocou Vellaine no topo dos agradecimentos do livro.
O dono do Romaneé-Conti de fato é um grande administrador do terroir, o “espírito” dos vinhos que saem de sua terra. Villaine, economista de formação, renegou o legado da família por muitos anos, até que se casou com uma americana herdeira de vinícola em seu país. No livro, ele desponta como um herói, defensor de todos os produtores da Borgonha. Na vida real, seus concorrentes.
Todos sabem que o negócio do vinho na França é muito competitivo e que o Grand Cru tem a cada ano de provar para os maiores críticos do planeta que permanece no topo. O Romanée-Conti é a ponta de excelência de um mercado estratégico para o governo francês. Não é, portanto, trabalho para santos ou monges, como a própria narrativa esclarece ao mostrar como o cultivo mudou de mãos no decorrer dos séculos.
O príncipe Conti, de quem a bebida herdou o nome, é apresentado com senso de oportunidade e a inteligência à altura do agente duplo que ele foi. Homem de confiança de Luis XV, Conti cercou-se de intelectuais da época (Mozart era seu amigo e Russeau seu protegido) e tirou da Igreja Católica os terrenos mais interessantes da região, justamente os que produziam a Pinot Noir, a mais famosa cepa dos tintos da Borgonha.Potter também faz seu gesto de honestidade ao contar que, a convite de seu entrevistado, experimentou pela primeira vez um desses néctares. Ele escreve no livro que nunca tinha sentido nada parecido com o que provou naquele gole. Conta que teve vontade de abraçar seu anfitrião e que chegou a chorar de emoção.
É curioso que a experiência de um grande vinho seja transcendente para o jornalista cético dos nossos dias como era para os beneditinos do século X, os pioneiros do plantio nas colinas onde nasceu o Romané-Conti.
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