Reportagem do tradicional The Economist, publicado nesta quinta-feira (19/5) pelo Estadão, mostra o que o brasileiro das grandes capitais, como São Paulo e Rio, irá enfrentar em termos de Uber.
Para muita gente, o ritual é familiar: ao fim de uma noitada, você saca o smartphone e pede um Uber para voltar para casa, e então sente o bom humor indo pelo ralo ao verificar que a corrida custará três vezes o valor normal da tarifa. Como muitas coisas cultuadas pelos economistas, a precificação dinâmica, vez por outra atormenta os usuários do Uber, é um mecanismo a um só tempo eficiente e profundamente impopular. Do ponto de vista dos consumidores, uma tarifa dinâmica, que em condições normais já é motivo de aborrecimento, em situações de emergência assume o feitio de exploração ultrajante. Aumentos exacerbados nas tarifas geralmente provocam ondas de reclamação: em 2013, quando uma nevasca paralisou Nova York, várias celebridades, entre as quais o escritor Salman Rushdie, usaram as redes sociais para se queixar por terem pago valores de três dígitos para percorrer trajetos curtos. Alguns governos municipais chegaram a proibir a prática: foi o que fez Délhi em abril.
O Uber deve continuar utilizando sua tarifa dinâmica por ora, mas Jeff Schneider, um de seus especialistas em “aprendizado de máquina” (machine learning), recentemente deu a entender que a empresa pretende desenvolver sistemas baseados em tecnologia, e não em preços, para organizar a distribuição dos motoristas pelas ruas. Mesmo que a solução não dê certo, as autoridades municipais não precisam regulamentar nem proibir a precificação dinâmica para impedir que os consumidores sintam a mordida no bolso.
A precificação dinâmica consiste em calibragens frequentes de preço, a fim de ajustar a oferta à demanda. Algumas concessionárias de rodovias adotam o mecanismo para determinar o valor de seus pedágios (que aumenta ou diminui de acordo com o volume do tráfego, na tentativa de evitar que as estradas fiquem congestionadas). Ele também é usado para ajustar o preço em mercados de energia elétrica.
Lógica. E uma versão menos sofisticada – que dispensa a tecnologia – costuma entrar em ação após a ocorrência de desastres naturais, quando os comerciantes aumentam os preços de gêneros de primeira necessidade. Compreensivelmente, as pessoas detestam esse tipo de coisa. Tirando os economistas, não há quem não fique indignado com o fato de ter de pagar, pela mesma corrida, valores diferentes conforme o dia e a hora – e um preço invariavelmente mais salgado justo quando a necessidade é mais premente.
Apesar disso, as tarifas dinâmicas também demonstram a elegância com que os preços regulam o mercado. Quando a procura em determinada área se intensifica e o tempo de espera aumenta, a precificação dinâmica entra em ação: os usuários do Uber são informados de que a corrida custará determinado múltiplo do preço normal. As tarifas mais elevadas distribuem os veículos de acordo com a disposição das pessoas em abrir o bolso, favorecendo usuários mais abastados em alguns casos, mas também aqueles que não podem esperar até que os preços voltem ao nível normal, ou que têm menos alternativas para chegar a seu destino.
Cobrar mais caro de quem está sem alternativa soa a extorsão, mas o fato é que, na ausência da precificação dinâmica, esses usuários teriam menos chance de conseguir o transporte de que necessitam, já que não haveria incentivos para que todas as outras pessoas à procura de um Uber desistissem do serviço. Além disso, a precificação dinâmica também aumenta a oferta de veículos, pelo menos na área em que está ativa. Na expectativa de embolsar valores mais elevados do que o normal, um número maior de motoristas é incentivado a se dirigir aos locais onde a tarifa dinâmica está em ação.
Análise divulgada recentemente pelo Uber mostra como o sistema deve funcionar. Jonathan Hall e Cory Kendrick, respectivamente diretor de pesquisas econômicas e cientista de dados da companhia, em colaboração com Chris Nosko, da Universidade de Chicago, compararam dois casos de picos de demanda em Nova York. Em março de 2015, o sistema foi acionado após um show da cantora Ariana Grande, no Madison Square Garden, no centro de Manhattan. Terminado o espetáculo, o total de pessoas usando o aplicativo do Uber nessa área da cidade quadruplicou em apenas alguns minutos.
O algoritmo da empresa não tardou a aplicar a tarifa dinâmica. Com isso, o tempo médio de espera por um veículo aumentou só moderadamente, ao passo que a “taxa de atendimento” – o porcentual de solicitações de corridas que são atendidas – em momento algum ficou abaixo de 100%. Já no réveillon de 2014, o algoritmo do Uber parou de funcionar por 26 minutos, deixando Nova York sem a precificação dinâmica. O tempo médio de espera por um veículo da companhia, que era de dois minutos, saltou para cerca de oito minutos, ao passo que a taxa de atendimento ficou abaixo de 25%.
A comparação talvez exagere o potencial da tarifa dinâmica. Mesmo sem o auxílio de algoritmos, os taxistas sabem que vão se dar bem se estiverem por perto quando um show ou outro evento qualquer chega ao fim. É claro que, contando fazer algumas corridas a mais, o número de motoristas do Uber circulando pelas proximidades do Madison Square Garden quando o show de Ariana Grande terminou era maior do que o normal. No entanto, a possibilidade de faturar com o adicional tarifário também deve ter estimulado os motoristas a se antecipar e reagir preventivamente à alta da demanda. Ironicamente, quanto melhor for o funcionamento do algoritmo do Uber, menos a companhia precisará utilizá-lo, já que a reação preventiva dos motoristas tenderá a eliminar o desequilíbrios entre oferta e procura que motivam a adoção da precificação dinâmica.
Há indícios de que o Uber espera poder levar essa lógica à sua conclusão. Schneider diz que, recorrendo a engenhosas ferramentas de aprendizado de máquina, talvez seja possível processar a montanha de dados coletados pela empresa e determinar onde e quando a procura deve superar a oferta de veículos. Assim, não seria preciso esperar até que a demanda começasse a aumentar e os motoristas tampouco precisariam ficar atentos às agendas de shows. Essa capacidade de antecipar a demanda talvez até fosse de alguma valia para o Uber hoje: a empresa poderia informar aos motoristas onde os seus serviços tendem a ser mais requisitados. Mas, sem o incentivo da tarifa dinâmica, é pouco provável que eles reagissem com a mesma presteza.
Como escapar da tarifa dinâmica. Se o Uber continuará a ter um papel de destaque no futuro, e se manterá a precificação dinâmica, é algo que depende, em parte, de como os governos locais administrarão seus sistemas de transporte. Nos lugares onde as pessoas dispuserem de alternativas atraentes, sob a forma de um bom sistema público de transportes coletivos ou de concorrentes privados do Uber, os usuários serão mais sensíveis aos preços. Nessas condições, a precificação dinâmica não deve gerar muitos ganhos para o Uber (ou para seus motoristas). Mas, em lugares onde o transporte coletivo for precário, ou onde o Uber não enfrentar muitos concorrentes, a história será diferente. Em outras palavras, a precificação dinâmica só é realmente ultrajante onde as autoridades locais, com sua ineficiência, permitem que assim seja.
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