segunda-feira, 20 de abril de 2015

Cuidado com a fome oculta!


 Ela tornou-se um problema real. A carência de micronutrientes afeta uma em cada quatro pessoas no mundo. Em entrevista, a professora Andréa Ramalho alerta, na Época desta semana, para esse problema silencioso que enfraquece o organismo.

A fome oculta é um fenômeno pouco divulgado, mas, quando em estágio avançado, este problema silencioso deixa o organismo mais fraco e vulnerável a inflamações e infecções. A professora do Instituto de Nutrição da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Andréa Ramalho é especialista no assunto e publicou o livro Fome Oculta - Diagnóstico, Tratamento e Prevenção (Editora Atheneu). Em entrevista ao Prêmio Jovem Cientista, Andréa explica o que é a fome oculta e quais são os desafios do diagnóstico e combate.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que uma em cada quatro pessoas no mundo tem fome oculta. O que é esse problema?
A “fome oculta” é definida como uma carência não explícita de um ou mais micronutrientes, em que há alterações fisiológicas mínimas, não perceptíveis no exame clínico de rotina.  A “fome oculta” é uma consequência da falta ou do baixo consumo, sobretudo, de micronutrientes (vitaminas e minerais). É o estágio anterior ao surgimento dos sinais clínicos de carência e não está necessariamente associado a enfermidades claramente definidas, como as facilmente observadas na desnutrição.

Há algum sintoma? Quais são as consequências da carência de micronutrientes para o organismo?

Por não apresentar sinais clínicos de carência, que são característicos das manifestações finais do quadro de ausência de vitaminas e minerais, a fome oculta se instala de forma imperceptível e silenciosa. Porém, mesmo que não evolua para os estágios terminais da deficiência, já causa prejuízos à saúde. Pode comprometer várias etapas do processo metabólico, com alterações no sistema imunológico, nas defesas antioxidantes e no desenvolvimento físico e mental. A deficiência é fator predisponente/agravante de diversas doenças crônicas, como doenças cardiovasculares, hipertensão arterial, diabetes mellitus, dislipidemia, obesidade, alguns tipos de câncer e osteoporose, entre outras.

Ainda que a fome oculta possa ocorrer devido à falta de um micronutriente específico, frequentemente ocorre de forma combinada a outras deficiências de vitaminas e minerais.

Como é o tratamento?

Procedimentos recomendados por órgãos internacionais como World Health Organization (WHO), Food and Agriculture Organization (FAO) e Unicef para o combate e a prevenção da fome oculta reafirmam a importância dos programas de intervenção pautados na utilização de suplementos vitamínicos, na fortificação de alimentos e na diversificação alimentar  para melhorar a qualidade e a quantidade do consumo de nutrientes.

Com exceção das situações de extrema pobreza, a renda e a escolaridade parecem não ter grande impacto na incidência dessa doença, o que reforça a tese de que a ingestão inadequada de alimentos fontes de vitaminas e minerais esteja relacionada a hábitos e questões culturais. Por isso, o aumento do consumo desses alimentos é a principal estratégia, em longo prazo, no combate à fome oculta.

Como a fome oculta e suas consequências podem ocorrer sem sinais clínicos detectáveis, o diagnóstico precoce e o tratamento adequado têm grande impacto sobre a saúde, sobretudo nos grupos clássicos de risco, como o materno-infantil e pré-escolares, diminuindo atendimentos médicos e internações.

As deficiências de vitamina A, ferro e iodo são priorizadas pela Organização Mundial da Saúde, pois são as três maiores carências nutricionais mundiais. Quais alimentos são ricos nestes nutrientes?

No caso da vitamina A, fígado, ovos, leite, manteiga, queijo, cenoura, agrião, espinafre, manga, couve, abóbora, batata doce, mamão, pimentão vermelho, caju e goiaba são alguns alimentos que contêm este nutriente. O ferro está presente em carnes vermelhas, peixes e na gema do ovo, por exemplo. Também está em alimentos de origem vegetal, como cereais integrais, vegetais escuros, oleaginosas, grãos e melado de cana-de-açúcar, rapadura e açúcar mascavo. Por fim, são fontes de iodo as algas marinhas, salmão, leite e derivados, ovo, carne vermelha, camarão, mexilhão, fígado, atum, bacalhau, castanha do Brasil e quinoa.

O exercício físico é benéfico para o corpo, mas também pode se tornar um inimigo do combate à fome oculta. Por quê?

A prática regular de exercício físico está associada à promoção da saúde e à prevenção de doenças crônico-degenerativas. Porém, é importante ressaltar que diferentes tipos e intensidades de exercício físico provocam alterações distintas na imunidade e nas defesas antioxidantes, com impacto direto na saúde. A resposta a uma carga intensa de exercício físico provoca um aumento na produção de radicais livres e consequente estresse oxidativo, que leva danos aos tecidos e órgãos. Como defesa, ocorre o aumento da utilização de nutrientes com função antioxidante. Neste contexto, são indicados o aumento do consumo de alimentos com função antioxidante e a suplementação de vitaminas e minerais.

Algumas pessoas, apesar da alimentação saudável e balanceada, apresentam fome oculta. Por que isso acontece e o que fazer nesses casos?

Algumas situações – como aumento da frequência e intensidade de exercícios físicos, baixa exposição solar, aumento de peso, algumas disfunções hormonais, menos horas de sono que o necessário, estresse intenso, entre outras alterações – fazem o organismo utilizar mais micronutrientes, ainda que haja alimentação saudável. Com isso, é importante fazer avaliações médicas regulares, para os ajustes nutricionais necessários.

O combate à fome tem sido uma das principais bandeiras da atualidade, mas para garantir a segurança nutricional da população é preciso também combater a fome oculta. Como erradicar este problema?

O compromisso para suplementação e fortificação de alimentos teve sucesso em diferentes países desenvolvidos e em desenvolvimento, o que demonstra a importância das parcerias entre o setor privado e público no estabelecimento de metas para a saúde pública. Tais medidas se somam à promoção de mudança de hábitos alimentares por meio da educação nutricional. A distribuição de suplementos integra, com frequência, os programas de saúde pública já estabelecidos no país, como por exemplo, as campanhas de vacinação. Tal iniciativa reduz custo, uma vez que a mesma estratégia operacional e sistema de distribuição dessas campanhas podem ser utilizados nesse caso, aumentando assim a relação custo/benefício.

O combate à fome oculta tem apresentado resultados tímidos diante da grandeza do problema, que atinge até mesmo regiões consideradas fora do eixo tradicional da miséria no Brasil. O custo de não intervir adequadamente para superar as carências específicas é muito maior do que o custo de programas de intervenção. Mesmo assim não é raro que os setores envolvidos na busca de uma solução – universidades, governos indústria, mídia e população – falem linguagens diferentes. Precisamos de interfaces entre esses setores para permitir que o conhecimento científico se traduza em ações e programas de intervenção nutricional de alcance social.  A erradicação ou, pelo menos, a redução da fome oculta no Brasil teria um impacto social positivo e penso que deve constituir um compromisso ético para com as próximas gerações.


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