segunda-feira, 27 de março de 2017

Será que a carne brasileira oferece realmente riscos para a saúde?


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As denúncias da Operação Carne Fraca, sobre como alguns frigoríficos adulteravam a carne vendida, deixaram o consumidor preocupado. Especialistas foram ouvidos nessa reportagem da revista Época desta semana, que estamos reproduzindo por acharmos que é de tremenda utilidade pública.

A Operação Carne Fraca, deflagrada pela Polícia Federal (PF) na última sexta-feira (17), desbaratou um esquema mantido por frigoríficos com fiscais do Ministério da Agricultura para acelerar trâmitesburocráticos. Grandes empresas do ramo foram citadas – como JBS e BRF, duas das maiores exportadoras de carne do mundo. De acordo com a PF, elas pagavam propina a fiscais do Ministério da Agricultura, que faziam vista grossa a práticas ilegais. Segundo a PF, algumas empresas envolvidas no esquema maquiavam o aspecto das carnes, para vender produtos de baixa qualidade e já em estado de deterioração. O inquérito policial fala em aplicação de ácido sórbico nas carnes, injeção de água para aumentar o peso das peças e tentativa de usar carne contaminada por salmonela para fazer embutidos. O alarme criado pela operação causou a suspensão das importações de carnes brasileiras por Hong Kong, o maior importador de carne bovina e o segundo de carne de porco. A Coreia do Sul havia anunciado a suspensão da importação de carne de frango da BRF ontem, mas voltou atrás hoje. Algumas das fraudes lesam o consumidor no bolso. Elas também podem fazer mal à saúde? 

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Segundo especialistas consultados por ÉPOCA, a questão é controversa tanto a respeito da extensão da fraude quanto ao tamanho do dano potencial à saúde. “Acho que se questionou um sistema inteiro por questões pontuais”, diz o professor Marco Antônio Trindade, do Departamento de Engenharia de Alimentos da USP de Pirassununga. Foram citados 21 frigoríficos no inquérito da Polícia Federal. A quantia movimentada pelas empresas corresponde a menos de 1% do total exportado pelo setor no ano passado. No inquérito, a PF cita suspeitas sobre a qualidade da carne de duas empresas. São elas: o Grupo Peccin, nas unidades de Jaraguá (SC) e de Curitiba (PR), e o Frigorífico Larissa em Iporã (PR).

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A respeito dos problemas de qualidade apontados pelo inquérito da PF, faltam detalhes sobre os procedimentos e as condutas das empresas citadas para ter certeza de que contrariavam a lei, com potencial dano para a saúde. Algumas das ações e das substâncias que aparecem no inquérito da PF podem ser usadas, mas dentro de determinados contextos e margens de segurança. Entenda as denúncias da PF e o que falta saber:

* Carnes adulteradas com ácido sórbico

A denúncia: Uma das empresas comprava carregamentos de carnes estragadas e, para “maquiar” o produto, usava ácido sórbico.

As provas da PF: Alguns dos detalhes presentes no inquérito, quanto à forma como as carnes eram adulteradas, foram fornecidos por ex-funcionários do grupo Peccin – o principal frigorífico-alvo das investigações – que depuseram para a operação. Segundo disseram, era comum a empresa utilizar ácido sórbico para dissimular o estado de deterioração das carnes. O texto do inquérito informa que os funcionários “presenciaram, por diversas vezes, a empresa comprar carregamento de carnes estragadas e para ‘maquiar’ as carnes usava ácido sórbico, cancerígeno e proibido”. Segundo o inquérito, os funcionários também relataram a “utilização de carnes estragadas para produzir salsichas, linguiça etc”.

O que dizem os especialistas: O ácido sórbico, embora descrito pelo inquérito como cancerígeno, é uma substância cujo uso é autorizado. “Ele é usado pela indústria como conservador”, diz Trindade, da USP de Pirassununga. Há limitações para seu uso, estabelecidas pela Instrução Normativa 51 do Ministério da Agricultura. Obedecidos os limites determinados pela norma, o ácido sórbico pode ser aplicado na superfície de embutidos, como salsichas e linguiças. Mas não pode entrar na composição do alimento – na massa que vai rechear os produtos. Nem tampouco pode ser aplicado em carnes frescas, congeladas ou resfriadas. “Nelas, a indústria não pode usar conservantes”, diz Trindade. Segundo ele, seguidas essas regras, a substância não fará mal: “Ele pode ser considerado cancerígeno? Pode. Mas só se não forem respeitados os níveis máximos de utilização”. O ácido sórbico não muda a aparência da carne a ponto de maquiá-la: “Ele pode, no máximo, retardar o processo de deterioração”, diz Trindade. Segundo ele, essa carne tratada com ácido talvez passasse despercebida se fosse utilizada na composição de embutidos – algo que contraria a legislação vigente e que pode oferecer riscos para a saúde do consumidor. Na carne fresca ou embalada a vácuo, não haveria grandes efeitos para a aparência.

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* Carnes adulteradas com ácido ascórbico

A denúncia: Uma empresa faria a “maquiagem” de carnes estragadas adicionando “a substância cancerígena ácido ascórbico”, segundo um dos despachos de prisão emitidos pela Justiça Federal.

As provas da PF: No inquérito da Polícia Federal, não aparecem menções ao uso de ácido ascórbico. A substância é citada em um dos despachos de prisão. Mas há uma contradição: no despacho, a polícia informa que a funcionária Daiana Marcela Maciel, do frigorífico Peccin, atestou “a ‘maquiagem’ de carnes estragadas com a substância cancerígena ácido ascórbico”. No texto do inquérito, por outro lado, é dito que Daiane atesta que a maquiagem das carnes era feita com ácido sórbico – não com ascórbico. Os dois documentos se contradizem – e não fica claro qual substância era usada. 

O que dizem os especialistas: Ácido ascórbico, ou vitamina C, é uma substância antioxidante, comumente usada no preparo de embutidos. Ela não é considerada cancerígena. Ao contrário do ácido sórbico, pode ser misturada às carnes que vão preencher o interior de salsichas e linguiças. Nelas, a substância impede a oxidação dos pigmentos – um processo que deixaria marrons as salsichas, por exemplo. Mas não consegue disfarçar a aparência das carnes em processo de deterioração. “Ainda que a aparência melhorasse, o problema na carne fresca seria revelado pelo cheiro ou pelo sabor”, diz Andrea Barretto, especialista em tecnologia de carnes e derivados na Unesp de São José do Rio Preto. Não há um limite estabelecido em lei para a aplicação do ácido ascórbico. “O que a norma estabelece é uma recomendação do quanto utilizar para obter o efeito desejado”, diz Trindade, da USP. De acordo com Trindade, dificilmente a quantidade dessa substância nas carnes fará mal à saúde. “É algo da ordem de 5 gramas de ácido ascórbico a cada 1Kg de produto”, diz. Ou um tablete de vitamina C em 10 quilos de mortadela.

* Cabeça de porco na linguiça

A denúncia: Utilização de carnes da cabeça de porco na composição de embutidos no frigorífico Peccin: “O descaso com a qualidade dos alimentos é marca das conversas entre os Peccin. Até carne de cabeça de porco, cuja utilização Idair Peccin assume ser proibida, entra nas receita”, diz o inquérito .

As provas da PF: Numa das conversas interceptadas, um dos sócios do frigorífico, Idair Peccin, manda comprar 2.000 quilos de carne de cabeça de porco para entrar na composição da linguiça fresca. Ele próprio admite que a prática é proibida. 

O que dizem os especialistas: “Não se coloca carne de cabeça em linguiça fresca porque ela é uma carne mais perecível”, diz Andrea, da Unesp. É o tipo de ingrediente que fará o produto estragar mais rapidamente: “E se eu fizer um produto que dura cinco dias, quem vai querer comprar?”. Mas essas carnes, segundo Andrea, podem ser usadas na composição de algumas linguiças cozidas, em quantidade pequena.

* Carne contaminada com a bactéria salmonela

A denúncia: O texto do inquérito afirma que o frigorífico Peccin tentou comercializar carne contaminada pela bactéria salmonela, que causa gastroenterite, um tipo de infecção que provoca diarreia e vômitos
As provas da PF: Carlos Augusto Goetzke e Carlos César, servidores da Superintendência Federal de Agricultura, foram pegos em grampos telefônicos ao discutir como reaproveitariam 18 toneladas de carne de peru contaminada pela bactéria. Carlos César sugere na ligação que a carne fosse transformada em mortadela e fosse vendida para a empresa Souza Ramos. Porém, o frigorífico desistiu da compra.

O que dizem os especialistas: A presença da bactéria salmonela não significa que a carne jamais poderá ser utilizada. “A salmonela não deixa resíduos. E é inativada em temperaturas de pasteurização, a 72 graus célsius”, diz Andrea. Esse é um processo exigido para a fabricação de mortadelas. A salmonela, no entanto, pode ser perigosa no caso de carnes frescas, sobretudo carnes de frango, onde a bactéria é mais comum. Nesse caso, a carne contaminada não pode ser comercializada para consumo humano. A bactéria pode causar gastroenterite, um tipo de infecção que provoca diarreia e vômitos. Sob risco de salmonela, a recomendação é de que o consumidor cozinhe bem o alimento antes de consumir.

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