sábado, 13 de fevereiro de 2016

Viagem. Faça diferente

                 

Cabo da Boa Esperança é lugar de monstros e de naufrágios

Ele é dos mais conhecidos dos livros de geografia brasileiros. Agora você tem uma oportunidade de matar sua curiosidade sobre esse lugar misterioso da África do Sul, que você conhece dos bancos escolares.

Cabo da Boa Esperança, esse ponto geográfico soava, desde a escola primária, como um lugar remoto, alcançável apenas por intrépidos navegadores. Quando pequeno, vibrava ao ler as histórias dos portugueses Bartolomeu Dias e Vasco da Gama em busca do caminho marítimo às Índias.

Ambas expedições foram açoitadas por fortes tempestades e quase foram aniquiladas pelo monstro mitológico Adamastor. Mas a tenacidade lusitana fez com que as naus conseguissem contornar o extremo sul do continente africano, se tornando pioneiros com a proeza. O Cabo das Tormentas, por abrir uma nova rota para o comércio lusitano, foi rebatizado com seu nome mais auspicioso e positivo pelo rei de Portugal D. João II.

Visitei o Cabo pela primeira vez há dez anos, tendo esperado quatro décadas para realizar meu sonho de infância de conhecer a ponta da África. Hoje, regresso com um grupo de “estudantes” de Viajologia para reverenciar um dos acidentes geográficos mais conhecidos no planeta.

A geografia atual é bem mais correta que a dos navegantes portugueses e o Cabo da Boa Esperança, apesar da fama, não representa o extremo sul do continente e nem onde os oceanos Atlântico e Índico se encontram. Essa honra cabe ao Cabo Agulhas, localizado a 150 km a leste. Mas, para evitar frustrações, o Cabo da Boa Esperança, bem mais famoso que o Agulhas, ganhou o título de ponto mais ao sudoeste do continente africano.

Mesmo sem possuir grandes superlativos, o Cabo da Boa Esperança é visita obrigatória para quem passa pela Cidade do Cabo. Várias reservas, que vão desde a Montanha da Mesa (Table Mountain) até a ponta da península, conformam um parque nacional imenso e singular.

Depois de tirada a foto da placa, a próxima etapa é tomar um funicular – um bondinho sobre trilhos bem íngremes – para chegar no alto da Ponta do Cabo. Lá de cima, temos uma vista ainda melhor do Cabo da Boa Esperança. A pequena praia de areia ao lado homenageia Bartolomeu Dias, o primeiro a vencer o cabo em 12 de março de 1488.

Mais 125 degraus, dessa vez sem ajuda de nenhum trenzinho, e estamos no topo do Farol da Ponta do Cabo. Situado a 250 metros sobre o nível do mar, muitas vezes ofuscado pela neblina, e construído em 1859 em uma localização que engana os navegantes, o farol foi considerado uma das causas do acidente do navio português SS Lusitânia em 1911. Assim, um novo farol, a 87 metros e mais próximo do mar, foi construído em seguida.

Hoje, nem no farol e no cabo, não consigo encontrar nenhum dos terríveis babuínos que povoam o local. Talvez os guarda-parques tenham expulsado os primatas. Mas na última vez que estive na região, em 2010, quando da expedição “Luzes da África”, os dois lugares haviam sido tomados por hordas desses macacos abusados. Acostumados com os humanos, eles amedrontavam as pessoas e um grupo de babuínos mais espertos havia monopolizado o estacionamento. Cientes de que turistas sempre traziam comida, os primatas assustavam os visitantes que, alarmados, largavam e entregavam seus sanduíches, sucos e sacos de batata frita.

Foi isso que aconteceu comigo há cinco anos: um babuíno havia subido no teto de nosso veículo e estava confortavelmente sentado. Quando me aproximei, ele deu um grunhido e ameaçou dar um salto em minha direção, dentes afiados à mostra. Resolvi evitar o confronto e deixei o macaco fazendo caretas sozinho.

À beira-mar, voltei a refletir sobre as expedições portuguesas quando me veio à mente parte da história de “Os Lusíadas” de Luís de Camões. Criação do poeta, o monstro sobrenatural Adamastor havia atemorizado os capitães das naus aventureiras por terem ousado chegar até o Cabo das Tormentas. Com astúcia, os portugueses ludibriaram Adamastor e conseguiram deixar o Oceano Atlântico e entrar no Índico.

Olhei em direção ao carro e resolvi fazer o mesmo com o “meu” babuíno Adamastor que continuava impassível sobre o teto. Embrulhei, então, uma pedra em um guardanapo de papel branco, caminhei em direção ao macaco, dei uma lambida no pacote como se fosse uma guloseima e joguei o embrulho a uns 10 metros do veículo. Quando Adamastor partiu em busca da “comida”, entramos no carro e fomos embora, livres da reencarnação do monstro de Luís de Camões.

*O autor Haroldo Castro viajou à África do Sul graças ao apoio da South African Airways. Matéria está publicada na revista Época desta semana.

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