segunda-feira, 4 de maio de 2015

Os preços dos cosméticos estão altos? Bota a mão na massa


                                                               

Tem gente apelando para produtos naturais feitos em casa. As chamadas receitas da vovó.

Cresce a turma que faz os próprios cosméticos com fórmulas naturebas em laboratórios caseiros. Físicos, antropólogos e arquitetos integram o grupo que produz os próprios cosméticos de forma artesanal, como mostra essa reportagem do Globo.

A última vez que Carol Cronemberger pisou numa farmácia tem seis meses. O motivo de sua ida foi um pedido da filha, Marina, de 13 anos, que queria montar uma nécessaire com xampu, condicionador, desodorante, pasta e escova de dentes, e levar o “kit social” para uma colônia de férias. Não fosse o episódio, Carol continuaria como estava: avessa a lojas do gênero. Tanto que nem consegue se lembrar quando, antes disso, gastou dinheiro com cosméticos. Em vez de comprar, coloca a mão na massa: ela própria faz os produtos que consome — todos eles com ingredientes naturebas nas receitas.

"A Marina ficou com vergonha de levar os potinhos com as misturas que eu faço, cheios de etiquetinhas, para a viagem com as amigas. Não queria que pensassem que a mãe dela é doida. Como não obrigo ninguém a usar vinagre na cabeça, comprei o que ela pediu. Uma semana depois da volta, reclamou que a pele e o cabelo estavam ruins", relata Carol, de 38 anos, formada em Física, com mestrado e pós-doutorado.

Depois de uma temporada de dez anos morando (e estudando) fora do Brasil, em países como Alemanha, França, Inglaterra e Holanda, Carol voltou para o Rio em 2014. Mudou-se para uma casinha no Humaitá onde espremeu todos os móveis e improvisou um laboratório no próprio quarto. Numa estante encostada ao pé da cama, estão os tais potinhos de vidro (reaproveitados de embalagens de geleias, perfumes, remédios) nos quais armazena uma coleção infinita de óleos essenciais (a maioria trazida de viagens), mel, álcool e vinagre de maçã. Tubos de ensaio e outros recipientes típicos de uma aula prática de Ciências também se amontoam de ponta a ponta na parede.

"Quando aprendi a fazer as minhas coisas, que fiquei independente, foi uma sensação incrível. Estou segura de que prefiro não estar dentro dos padrões que a indústria farmacêutica me obriga", diz Carol, que é viciada em ler rótulos. — Fiz até uma lista para distribuir para amigos que é uma colinha com ingredientes que fazem mal à saúde, como petrolatos, metais pesados e parabenos.

A confecção dos cosméticos nem sempre é feita na escrivaninha de seu quarto. Às vezes, ela espalha os frascos pela cozinha ou pelo jardim de inverno — não à toa, a casa vive perfumada. Porém, onde quer que seja, tudo o que aplica na pele e no cabelo é obra das próprias mãos. Tônico de vinagre de maçã, esfoliante à base de café, hidratante com mel — inclusive maquiagem (batom, blush, lápis de olho e BB cream) — são frutos de suas experiências e de sua imaginação.

"Maquiagem com alta tecnologia é mentira. O BB cream é um creme com a textura mais fluída, que faz com que as pessoas acreditem que penetra melhor na pele. Outra coisa são os cosméticos oil-free. São os óleos que contém todas as vitaminas que a nossa pele precisa, então é um ingrediente indispensável nas fórmulas", observa a física, que se identifica como “chef cosmetique”, graças à quantidade de ingredientes culinários que usa em suas receitas.

Enquanto isso, na indústria...

Alheia ao crescimento do mercado da beleza — que movimentou só no ano passado R$ 101,7 bilhões no Brasil (apresentando um aumento de 11% se comparado a 2013), de acordo com dados da Associação Brasileira de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC) —, cada vez aumenta mais a turma que bate na mesma tecla que Carol. Preocupação com a saúde, preservação do meio ambiente, filosofia de vida são alguns dos motivos enumerados pelos adeptos dessa receita de beleza feita em casa. São pessoas com formações bem ecléticas (de físicos, como Carol, a antropólogos e engenheiros ambientais) que se renderam a cosméticos artesanais sem química alguma — a corantes e conservantes eles têm alergia só de falar.

Praticam a chamada slow beauty, corrente surgida nos Estados Unidos que condena o consumo excessivo de produtos voltados para a estética e que toma o maior cuidado com a procedência deles. O trio de amigas formado por Melina Goulart, Amanda Leão e Luiza Carvalho é assim. Na mesma linha, o casal Juliana Nabuco e Marcello Gazzola montou um laboratório na lavanderia de casa. Cada um à sua maneira, nas horas vagas ou com dedicação exclusiva, eles embarcam na onda de usar as próprias mãos.

"O interesse por produtos naturais tem crescido. Percebo que as pessoas estão mais exigentes com suas escolhas e mais conectadas com o meio ambiente. E preferem, de fato, cosméticos naturais cujas matérias-primas são extraídas de forma sustentável da natureza. As empresas do segmento de beleza que têm responsabilidade social são bem-vistas. No Brasil, temos uma biodiversidade riquíssima, mas ainda há muita burocracia para encontrar plantas com os certificados que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) exige", analisa a historiadora e pesquisadora de etnobotânica Vera Fróes, à frente da ONG Viridis.

Como a Anvisa “assina” uma espécie de controle de qualidade em que se responsabiliza pela comercialização dos produtos aprovados, assume uma postura bem rígida: todos os cosméticos passam por testes estipulados pela instituição. O que acaba deixando sem certificação muitos produtores de pequena escala.

O diagnóstico de um câncer num dos rins deu um susto no analista de sistemas Luis Aurélio do Patrocínio, em outubro de 2012. Antes que ele começasse o tratamento, sua mulher, a advogada Fernanda Mallmann, deu um tempo nos estudos para a magistratura para cuidar do companheiro. Acabou se matriculando num curso de Farmácia a fim de entender melhor o processo de recuperação. Resultado? Mudou de profissão. Também correu atrás de conhecimento alternativo: participou de oficinas de aromaterapia e saponificação (produção de sabonetes).

"O tratamento foi tranquilo, mas eu quis entender todas as ferramentas que a gente podia usar para tornar o processo menos sofrido. Então, passei a usar aromaterapia para fazer massagens com óleos terapêuticos, entre outras coisas", explica Fernanda, de 36 anos.

Passado o sufoco, a estudante de Farmácia que atende pelo apelido de Fefa não desapegou do hobby de fazer sabonetes e xampus sólidos orgânicos com óleos essenciais de capim-limão, manjericão, alecrim, patchouli, macela. Explicando: orgânicos não usam aditivos químicos; enquanto os veganos não contêm matéria-prima de origem animal, como o mel de abelha, em sua fórmula. Fernanda, então, criou a marca Fefa Pimenta, voltada para consumo próprio, de amigos e de amigos dos amigos — cadeia de consumo da maior parte dos pequenos produtores, que usam as redes sociais e sites:

"É uma releitura contemporânea das receitas da vovó".

O uso de receitas de família não é criticado por especialistas. Pelo contrário, alguns até sugerem que seus pacientes façam máscaras de argila, por exemplo. O debate que alguns dermatologistas levantam é sobre a procedência e a qualidade das substâncias usadas nas fórmulas.

"Os segredos transmitidos por gerações devem ser valorizados e respeitados. A medicina popular promoveu importantes avanços. Contudo, as práticas devem ser contrapostas com a medicina científica para garantir segurança e qualidade. Substâncias naturais de uso difundido, como a arruda, podem causar irritação na pele, algumas cítricas geram queimaduras", pondera Gisele Torok.

Na opinião da também dermatologista Juliana Neiva, a busca por cosméticos naturais é uma tendência mundial:

"O assunto está na pauta de congressos e pesquisas do mundo todo. Não sou contra o uso de cosméticos caseiros, inclusive dou várias dicas de máscaras. O meu receio é que isso vire a estrela principal de um tratamento e que empresas sem qualificação ganhem mercado sem ter certificação".

A favor do consumo de produtos naturebas, a empresária Renata Esteves, à frente da loja Beleza Orgânica, no Leblon, tem pé atrás com cosméticos artesanais não fiscalizados.

"Apoio em termos. Por mais que os ingredientes venham discriminados nos rótulos, você não sabe a quantidade usada na composição e nem como é a performance no seu corpo. A validade também é relativa", observa.

Certificar, aliás, não é uma preocupação para quem faz seus próprios cosméticos.

"Minha pretensão não é ter uma produção industrial, e sim caseira",  contrapõe Fefa.

Receitas de tradições indígenas

Foi de mochila nas costas que a jornalista Juliana Nabuco, de 33 anos, e o estudante de Psicologia Marcello Gazzola, de 23 anos, visitaram comunidades nativas da América Latina, em 2012. Na viagem, conviveram com índios que os ensinaram a fazer várias receitas com ervas medicinais — todas anotadas na memória. Quando voltaram para o Brasil, passaram uma temporada de três meses num sítio da pesquisadora Vera Fróes, em Teresópolis, imersos em estudos sobre plantas medicinais.

"A Vera precisava de um jardineiro e eu estava a fim de me aproximar das ervas e plantas medicinais de um jeito menos turístico e mais mão na massa", lembra Marcello.

No final de 2012, se mudaram para um apartamento no Jardim Botânico e transformaram uma antiga lavanderia no espaço que chamam hoje de “ateliê alquímico”. Para isso, a arquiteta Roberta Abud, de 32 anos, entrou no circuito. O telhado ganhou telhas de vidro, as paredes foram cobertas por azulejos azuis e o piso foi revestido com ladrilho hidráulico. No local começou a Nii. À frente das misturas, Juliana aprendeu em cursos a fazer sabonetes, criar aromas, manusear ervas medicinais, e desenvolver florais, banhos de cheiro, manteigas hidratantes — todos naturais e com efeitos terapêuticos, ela garante.

"O que a gente faz é juntar o conhecimento científico com o conhecimento de povos nativos para desenvolver produtos que atuam no nosso sistema nervoso e que impactam nossas emoções — explica Juliana, sentada em frente à sua perfumada “caixinha da criatividade”.

-  Eu sou o meu próprio laboratório de experiências.

Além dos óleos essenciais superconcentrados, as prateleiras do ateliê estão ocupadas com potes de urucum, alecrim, erva-doce, calêndula, canela e cravo, entre outros ingredientes, a maioria em forma de pó. Numa delas, um cocar e cristais formam uma espécie de altar.

É na casa onde mora em Itaipu, Niterói, que a engenheira ambiental Melina Goulart planta todas as mudas de ervas e temperos usados na produção de seus cosméticos artesanais. Ao lado das amigas Amanda Leão, zootecnista, e Luiza Carvalho, cientista política, todas de 29 anos, ela criou a Vivá, linha que reúne desodorantes, repelentes, aromatizadores, sabonetes e óleos corporais.

"Sempre fui meio bruxinha. Nunca gostei de tomar remédios, no lugar, preparava chás. E como já trabalhava há dez anos com agroecologia, cultivando as ervas e temperos que consumo, passei a fazer também meus próprios cosméticos",  conta Melina..

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