segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Cozinha abençoada de Dona Zica da Mangueira


                             D.Zica e Cartola na cozinha que ela tanto amava
                   

Em poema, dona Zica conta os segredos de uma boa cozinheira. Cozinheira de mão cheia, mulher de Cartola dá dicas espirituosas para se cozinhar bem; texto é fruto da pesquisa feita para mostra em homenagem ao sambista

Euzébia Silva de Oliveira nasceu no dia 6 de fevereiro de 1913 no bairro de Piedade, no Rio de Janeiro. Era uma quinta-feira depois do carnaval. Aos 15 anos, vestiu verde e rosa e participou do primeiro desfile da recém-criada escola de samba Estação Primeira de Mangueira, no morro onde havia ido morar com seus pais anos antes. Foi lá que ganhou o apelido que levaria para a vida: dona Zica. 

Foi emprega doméstica ainda criança, ganhou a vida cozinhando marmitas, foi passista, casou-se, teve cinco filhos, enviuou, conheceu Cartola, abriu um restaurante que se tornou reduto do samba carioca, dirigiu a ala das pastoras da Mangueira, gravou um samba, estampou capa de LP, foi líder social, coordenou a produção de fantasias, foi atriz de novela, inspirou grandes sambas. 

Dona Zica foi uma das primeiras integrantes da escola de samba Estação Primeira de Mangueira.

Neste ano em que se comemora o centenário do samba no Brasil, a vida de Cartola (Agenor de Oliveira) e dona Zica será contada em uma mostra organizada pelo projeto Ocupação do Itaú Cultural. De 17 de setembro a 13 de novembro, o público pode conhecer mais do grande casal sambista por meio de documentos, fotografias e recursos multimídia.

Durante os trabalhos de pesquisa conduzidos para montar a mostra, um poema de dona Zica foi encontrado no acervo do Museu do Samba. No pequeno texto, ela dá instruções simples e espirituosas para se cozinhar bem. 

Não há uma cozinheira melhor 

do que outra. A diferença 

está naquelas que têm

prazer de cozinhar. 

Antes do preparo de qualquer

prato, lave as mãos, deixe que a 

água escorra sobre elas para 

serem purificadas. Se acreditar, 

peça a Deus e a Oxum que as 

abençoem para que a comida

que você vai preparar supra o 

corpo com energia, assim como 

o espírito das pessoas

que irão consumi-la. 

Lembre-se de agradecer

à natureza por ter fornecido

todos os ingredientes. 

Mas não se esqueça de que,

para preparar uma receita, o 

primeiro ingrediente é o amor, 

pois sem ele todos os outros 

temperos se tornam meros

condimentos sem razão de ser. 

Zica admitia que sua vocação era a cozinha. Gostava de cozinhar para muita gente, mas sempre sozinha, porque queria as coisas feitas ao seu jeito. Seu talento com as panelas ficou famoso quando ela (realizando um sonho antigo) e Cartola abriram, em  1963, na Rua da Carioca, centro do Rio, o Zicartola, que rapidamente se tornou ponto de encontro de sambistas, intelectuais e universitários. O restaurante era comandado pela própria Zica e frequentado por músicos como Zé Keti, Paulinho da Viola (que ganhou seu primeiro cachê como músico por lá), Nelson Cavaquinho, Ismael Silva, Tom Jobim, Chico Buarque, Vinícius de Moraes, Jackson do Pandeiro, Nara Leão, Carlos Lyra e Clementina de Jesus (se apresentando pela primeira vez profissionalmente). 

Por lá, samba e comida disputavam os holofotes. Feijoada, o prato preferido da casa, rabada, carne-seca, vatapá, xinxim de galinha, bobó de camarão estavam no cardápio. Zica comandava desde o preparo dos ingredientes e dos temperos - que deviam ser picados a ponto de ficarem irreconhecíveis visualmente - até a apresentação dos pratos. Ela só comia depois de todo mundo, para poder apreciar as reações das pessoas aos seus pratos - e ai de quem não repetisse, era desfeita. 

Suas receitas podem ser encontradas no livro Dona Zica – Tempero, Amor e Arte, organizado por Nilcemar Nogueira, sua neta, que é consultora da mostra do Itaú Cultural. 


SERVIÇO 

Ocupação Cartola

Onde: Itaú Cultural - Avenida Paulista, 149

Quando: de 17/9 a 13/11 (terça-feira a sexta-feira, das 9h às 20h; sábado, domingo e feriado, das 11h às 20h)

Entrada gratuita

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