terça-feira, 29 de setembro de 2015

Serra da Mantiqueira, do turismo rural à gastronomia

                             


Vale a pena você preparar uma viagem para curtir os municípios que ficam ao longo da serra, que vai de São Paulo a Minas, e curtir uma região que produz o melhor queijo do Brasil, café e azeite. O Globo Rural foi lá conferir tudo isso.

É comum se falar que o Brasil é tão variado em geografia, clima, culturas, que, na verdade, há vários países em um só. O Globo Rural começa uma série de reportagens sobre a região que poderia ser chamada de ‘o país da Mantiqueira’.
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Trata-se de uma serra que fica na região Sudeste, na área brasileira mais populosa, entre Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro. O lugar começa nos arredores em São Paulo, vai até Muzambinho por um lado e pelo outro chega a Barbacena. São montanhas que cobrem 125 municípios.

A Mantiqueira é daqueles lugares em que mesmo de olhos vendados pode render um prêmio de fotografia. Por que o ser humano aprecia e valoriza tanto as paisagens? Há uma bela resposta no livro Topofilia, de Yi-fu Tuan, um consagrado mundialmente geografo chinês que vive nos Estados Unidos. A geografa Livia de Oliveira, de 88 anos, uma das profissionais mais respeitadas no Brasil, fez a tradução do livro. “Topo é lugar em grego e filia é amor”, diz.

Uma das montanhas fica em São João da Boa Vista, em São Paulo, e tem quase 1,7 mil metros de altitude, com vista para uma dúzia de cidades. Entre elas, está Poços de Caldas. Essa parte da Mantiqueira foi tema da dissertação de mestrado de uma aluna da dra. Lívia, a professora Marlene Colarbardini.

“A topofilia desperta o sentimento de emoção, de paixão. É uma atração. Na minha vida, a atração é mais forte do que o amor”, diz Marlene.

O sentimento que é fruto de uma experiência sensorial. “É com todos os sentidos que nós percebemos a paisagem. Nós olhamos, nós sentimos o vento na pele, o cheio da mata e até o sabor. O defeito é o topofobia, de não gostar daquilo”, explica Lívia.

A geógrafa ensina: quem não sente afeto pela natureza e degrada o meio ambiente pratica o topocídio. Já quando se recupera, faz-se a toporeabilitação.

Desde os tempos mais remotos, o homem constrói marcos e monumentos para perpetuar sua história. Essa pode ser uma cópia da natureza, que veio pincelando a paisagem e destacando pontos. Na Serra da Mantiqueira, um dos marcos mais famosos é a Pedra do Baú, município de São Bento do Sapucaí.

A Pedra do Baú foi transformada Recentemente em Monumento Natural – Mona, uma categoria de unidade de conservação prevista na legislação e pouco praticada no Brasil.

O gestor do novo monumento natural, Renato Lorza, informa que mais de três mil hectares serão toporeabilitados no entorno da Pedra do Baú. O impacto vem da extração de madeira, gado, fruticultura e, hoje em dia, casas de campo e turismo.

O monumento natural permite parcerias de conservação. A formulação de regras compatíveis com interesses particulares, do meio ambiente e dos visitantes. Foram dez mil pessoas só no último mês de julho. As famílias Mendes e Nogueira subiram junto.

No entorno da Pedra do Baú, assim como as araucárias, os cedros, guatambus e jacarandás, muitas famílias têm as raízes fincadas na Mantiqueira. Um dos sítios do lugar é do seu Manoel Macedo dos Santos, mais conhecido como seu Manoel Tropeiro, descendente dos índios que viviam antigamente na Mantiqueira. Com 64 anos de idade e 50 de lida tropeira, ele nunca viveu em cidade e aprendeu na pirambeira que a necessidade abre a porteira, traz comida e amizade, e põe talento na algibeira. Casado com dona Luzia, pacienciosa e mulher pia, o tropeiro assim desfia a própria biografia.

“Moro no alto da serra e para chegar lá dá trabalho. É lá mesmo que eu sofro para ganhar o meu cascalho. É o suor da minha testa e do lombo das mulas. Eu arriava em meus burros, enfrentava nos pirambeiros, só em serviço pesado, na puxança de madeira”, diz seu Manoel Tropeiro.

Imagine se você tivesse feito sucesso na vida e, depois de 60 anos de trabalho, sua condição financeira lhe permitisse morar em qualquer parte do mundo. Que lugar você escolheria? Uma pessoa alcançou essa condição e escolheu a Serra da Mantiqueira e foi morar em Campos do Jordão, São Paulo, em um bairro cujo nome já diz tudo: Descansópolis. O lugar fica no extremo oposto do sítio do seu Manoel Tropeiro.

Dormovil Ferreira estudou nos Estados Unidos e tem uma empresa de computação. Aos 75 anos, o hobby dele é cultivar o terreno na serra, onde passa a maior parte do tempo. Entre um manacá, um capim dos pampas, um ciprestre italiano, uma viçosa jasmineira, na propriedade tem castanha portuguesa, frutas vermelhas, pera, pêssego, tomate de árvore. Na frente de casa foi plantado um pé de ameixa.

No lugar há mil videiras em produção. Mas, não é uva para chupar. Ferreira construiu uma vinícola modelo e fabrica o próprio vinho. Na adega, descansa o vinho engarrafado das safras de 2011 em diante.

Ferreira vai pessoalmente entregar o uma garrafa de vinho de presente para o seu Manoel. São pessoas de mundos muito distintos vivendo no mesmo lugar. Há várias curiosidades. Como se faz vinho? Como dona Luzia conseguiu criar 13 filhos sem empregada? Qual ajuda a família recebe? Sem nada para oferecer, além da hospitalidade, seu Manoel retribui o presente com uma trova serrana.

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