segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Histórias mineiras recontadas pela comida em Belo Horizonte

Um bom motivo para visitar a capital mineira e sentir o universo deixado por escritores e políticos.

  Drummond e Pedro Nava frequentavam a Cantina do Lucas
             
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Minas Gerais vem apostando em suas receitas para aumentar o turismo, como vem acontecendo na capital com lugares tradicionais e até mesmo participantes da História nacional. De acordo com levantamento da Belotur (empresa municipal de Turismo de Belo Horizonte), a gastronomia foi o ponto mais bem avaliado por aqueles que visitaram a cidade no ano passado.

Em 2016, a capital mineira só ficou atrás de Belém nesse quesito, na avaliação de turistas estrangeiros, segundo o Ministério do Turismo. Veja pontos tradicionais de Belo Horizonte que oferecem boa culinária e também ajudam a contar a história local.

MERCADO CENTRAL

Criado em 1929, o mercado é um lugar que passou imune pela onda da gourmetização. Os estabelecimentos investem na chamada baixa gastronomia. No local é possível encontrar uma grande variedade de ingredientes tradicionais da cozinha mineira. Não é à toa que novos expoentes da culinária local estão sempre por lá.

O chef Leonardo Paixão, do premiado Glouton, sugere a empada de carne seca com jiló do Ponto da Empada, que custa R$ 4, e a tradicional limonada do Mercado (o copo de 200 ml sai por R$ 2, e o de 500 ml, por R$ 5), cuja loja está no ponto há quase oito décadas.

O chef Frederico Trindade, do restaurante que leva seu sobrenome, indica a casa Comercial Sabiá, famosa pela broa de fubá com queijo canastra, que custa R$ 4,50. A loja também conta com uma marca de café própria, produzida na serra da Canastra.

CAFÉ NICE

Em meio ao tumulto da praça Sete, no centro, fica o café Nice. O modesto estabelecimento coberto por azulejos desbotados guarda quase oito décadas de história. Em seus primeiros anos de funcionamento, tinha como cliente assíduo o então prefeito da cidade Juscelino Kubitschek (1902-1976), que passava ali para tomar café, prosear e, claro, fazer política.

O atual proprietário, Renato Caldeira, conta que, com Juscelino, deu-se início a uma lenda urbana: "Quem não toma café no Nice não ganha eleição para presidente". Nos últimos anos, o local se tornou parada quase obrigatória para políticos em campanha presidencial. E a história mostra que o mito tem algo de verdade. Em 1989, o então candidato ao Planalto Leonel Brizola (1922-2004) chegou de caminhão ao café, afirma Caldeira. O tumulto era tanto que ele não conseguiu atravessar a rua para entrar no Nice.

No mesmo ano, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez uma passeata da praça da Liberdade até a praça Sete. Ao chegar à cafeteria, pediu um suco de laranja. Quem saiu vitorioso foi Fernando Collor, que, por sua vez, provou do cafezinho. O petista só voltaria ao local em 2002, desta vez sem recusar uma xícara.

Em 2014, Marina Silva também fez uma visita. Preferiu beber chá e não foi eleita. No mesmo ano, Aécio Neves fez uma carreata que lotou a avenida Afonso Pena, impedindo que o candidato conseguisse chegar ao café. Também não ganhou. Tanto em 2010 quanto em 2014, Dilma Rousseff bateu ponto no estabelecimento.

O combo com pão de queijo e cafezinho coado, extraoficialmente conhecido como "kit Nice", sai por R$ 5,30.
    
CANTINA DO LUCAS

No cruzamento da rua da Bahia com a avenida Augusto de Lima, situava-se o Grande Hotel de Belo Horizonte. Os modernistas mineiros, entre eles Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) e Pedro Nava (1903-1984), fizeram do bar do hotel um de seus pontos de encontro.

Demolido no fim da década de 1950, deu lugar ao edifício Maletta, que logo se tornou o centro da boêmia da capital mineira, de intelectuais e artistas -e ponto de resistência ao governo militar.

No segundo andar do Maletta, antes de existir o Clube da Esquina, Milton Nascimento se apresentava tocando contrabaixo, num trio formado por ele, Wagner Tiso e Paulinho Braga.

Mas o epicentro do Maletta é a Cantina do Lucas, cujos protagonistas não eram músicos nem escritores. O nome é inspirado no maître do restaurante do Grande Hotel.

Ele também serviu de inspiração para o nome de um prato: o filé do maître Lucas, que vem acompanhado de legumes na manteiga, ovo, mussarela e presunto. Custa R$ 71,30 e serve dois.

Outro personagem importante foi seu Olympio, garçom da cantina por décadas. Nascido na Espanha, veio para o Brasil fugindo do regime franquista e tinha forte antipatia pelo governo militar.

Olympio criou um código com os frequentadores, que em grande parte eram de esquerda. Quando ele percebia a presença na cantina de algum "dedo-duro" a serviço do governo, ele dizia "estamos sem filé à cubana".

O prato ainda existe no cardápio e é composto por filé à milanesa, batata palha, banana, abacaxi, ovo, cebola e bacon. Serve duas pessoas e custa R$ 81,40.

NOVA GERAÇÃO

Uma nova leva de cozinheiros de Belo Horizonte que ganhou força no início da década tem explorado a culinária contemporânea a partir de produtos tradicionais mineiros e brasileiros.

Um dos expoentes desse movimento é o chef Leonardo Paixão, do Glouton, que se autodenomina um restaurante franco-mineiro. Paixão abriu o Glouton em 2013, recém-chegado da França, onde estudou culinária e estagiou em restaurantes. O objetivo era fazer uma cozinha puramente francesa. A necessidade de renovar constantemente o cardápio e a proximidade com produtos locais, no entanto, fez com que a mineirice invadisse o menu naturalmente.

"Na hora de finalizar os pratos, não tinha jeito, eu sempre buscava esse gosto de comida caseira", diz o chef.

Um dos pratos preferidos de Paixão é a papada de porco -um corte tipicamente mineiro- acompanhada de mil-folhas de mandioca e molho de laranja. A finalização é praticamente idêntica à de uma receita tradicional francesa de vitela. Atualmente, a faceta europeia do restaurante aparece sobretudo nas técnicas.

Outro representante dessa nova geração da alta cozinha mineira é o restaurante Trindade, comandado por Frederico Trindade. Ele também estudou na França, onde trabalhou na Maison Troisgros, com três estrelas pelo Guia Michelin. No Brasil, passou pelo D.O.M., de Alex Atala.

O Trindade já nasceu como uma casa contemporânea brasileira, em 2011.

Inspirado por Atala, mas também por nomes como dona Nelsa Trombino, fundadora do tradicional Xapuri, Trindade diz valorizar o pequeno produtor local e ingredientes tradicionais, mas sem deixar de combinar a culinária internacional e a brasileira. Um dos exemplos é o guioza com recheio de pezinho de porco, frango caipira com tucupi e picles.

Fonte Folha/SP

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