sexta-feira, 29 de julho de 2016

Férias nos bares boêmios da Europa

Romantismo e boemia encontrados por colunista do Globo em Praga, Veneza e Roma.

              Praga
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Três das cidades históricas mais lindas do mundo, Praga, Veneza e Roma costumam fazer parte do roteiro de qualquer casal em primeira, segunda ou vigésima quinta lua de mel pela Europa.

Faz sentido: as fontes, as pontes, as praças, os músicos na rua, os restaurantes à meia luz nas vielas centenárias, quando não milenares... Tudo se apresenta como um convite ao romance, a um vinhozinho ao cair da tarde, ao queijinho comprado no mercado da esquina para ser levado ao quarto do hotel, depois de passar uma tarde inteira de museus e monumentos. Assim são essas cidades.

Mas comigo precisou ser diferente. Acompanhado de minha digníssima, que interceptou a fase europeia ocidental da minha “Volta ao Mundo em 80 Bares”, desci de trem de Praga a Roma, com uma escala para o Ano-Novo em Veneza, em busca da boemia dessas cidades. E um pouco de romance também, que ninguém é de ferro. Eis o que encontramos.

Praga tem andado mais turística que nunca. Reflexo dos preços mais em conta e do clima meio pesado em sua maior concorrente, Paris, por conta dos recentes atentados. Isso às vezes parece gerar um clima quase carioca nas ruas tchecas, lotadas de estrangeiros (principalmente russos), não raro alvo fácil para pequenos golpistas, taxistas malandros, cambistas espertalhões. Nos fins de semana de qualquer época do ano, grupos passeando de segway pelas ladeiras de Mala Strana — o espetacular centro histórico — chegam a incomodar.

Também há que se ter cuidado com os muitos espetáculos de teatro negro (que se passam no escuro com jogos de luz e sombras), marionetes e orquestra de câmara, que se espalham pela cidade, mas poucos valem o preço caro do ingresso. Porém, se tem alguma coisa em Praga em que se pode confiar sem medo são os bares. São inúmeros, cheios de qualidades, têm a melhor cerveja Pilsen do mundo, belos drinques de absinto e são de uma liberalidade total quanto ao tabagismo. Lembra uma Europa dos anos 1970. Uma experiência bacana, mesmo quando se volta para o hotel com a camisa fedendo a fumaça de cigarro.

FESTA EM ABRIGO ANTIBOMBAS

O U Sudu é um desses típicos bares tchecos. A pequena entrada no térreo de um prédio residencial no centro da cidade não dá a dimensão do que se vai encontrar lá dentro: um espaço imenso que se espalha pelo subsolo onde um dia os moradores protegeram-se de bombas. Na verdade, são três bares ali, separados por estreitos corredores sem janelas. No fim de cada corredor, balcões generosos, em que jovens atendentes passam a madrugada servindo cerveja e generosos copos de bebida enquanto se divertem dançando, batendo papo com os clientes e... fumando.

E se os funcionários fumam, imagina os clientes? O ar é denso. Mal dá para ver a parede do fundo. Mas em troca do ambiente pouco salubre, ganha-se um clima de festa constante, com grupos de todas as idades sempre comemorando algo. A Pilsner Urquell, a cerveja Pilsen mais antiga do planeta, é o carro-chefe nas torneiras.

Mas os shots de absinto também circulam intensamente. Apesar de ter sido inventado na França, o absinto — ou a “fada verde”, originalmente feito com láudano (substância psicoativa) e mais de 60% de álcool — tornou-se um tipo de símbolo de Praga. Graças à influência de escritores como Franz Kafka e outros intelectuais libertários que lá viveram entre os séculos XIX e XX. O absinto de hoje é mais leve e não contém láudano. Mas segue influenciando corações e mentes, principalmente de turistas, em centenas de bares, lojas e museus dedicados à bebida. O Absintherie impressiona com mais de 60 rótulos deste e de outros spirits, servidos puros ou na criativa carta de drinques.

A presença de Kafka em Praga não é tão evidente quanto a do absinto, mas também é poderosa e vai além do emocionante museu em sua homenagem, da histórica casa em que viveu na Cidade Velha ou mesmo do seu túmulo no Cemitério Judeu. Penetra o universo dos bares também. A casa em que o escritor nasceu, próxima ao deslumbrante relógio astronômico, hoje é um simpático café temático em homenagem ao escritor e serve lanches, doces típicos, taças de vinho tcheco e drinques com absinto.

E o Café Louvre, onde Kafka se reunia frequentemente com amigos para jantares privados entre 1905 e 1907, continua imponente no centro da cidade. Atrai turistas de todas as partes do mundo, interessados nos vestígios do escritor expostos nas paredes, na ótima comida e nos drinques. Adivinha à base de quê?

SERVIÇO

Casa de Franz Kafka. U Radnice 5, Cidade Velha.

U SUDU. Vodičkova 677/10, Cidade Velha.

ABSINTHERIE. Jílska 7, Cidade Velha.

Veneza: Pequeno dicionário boêmio

Bar, cantina, bacaro, bacareto, cicheteria, osteria, enoteca, enobar... Não me sai da cabeça o fascínio que foi conhecer todos os tipos de estabelecimentos etílico-gastronômicos que se espalham pelos canais de Veneza, a cidade do amor. Esqueça as gôndolas e os vaporetos: há que se andar, atravessar pontes, subir escadas, dobrar quebradas, perder-se por horas em becos e vielas para conhecer ao menos um décimo desses lugares maravilhosos para os sentidos. E uma passada d’olhos no dicionário também é importante: as classificações são inúmeras. E as diferenças, sutis.

Bacaro. É o boteco. Para muitos, a alma da boemia veneziana. O balcão da happy hour, onde se encosta para beber uma ombra (pequena taça de vinho) ou cerveja. No balcão, os cichetti (cichetto, no singular), que são petiscos individuais (bolinhos ou canapés), muitas vezes vêm de graça (principalmente em happy hours). Os bacari são pequenos e discretos, mas costumam ter balcões confortáveis e mesas do lado de fora. Lotam no verão. O Bacaro Risorto, a uns 300 metros da Piazza San Marco, é dos mais tradicionais. O Paradiso Perduto é o clássico das madrugadas. E o Al Timon, o preferido dos dias de sol, com gente comendo e bebendo nos barcos ancorados no canal em frente. Mas há uns 200 bacari mais em Veneza. A graça é garimpá-los.

Bacareto. Pequeno boteco. São os “pés-sujinhos” de Veneza. Para mim, os melhores. Minúsculos, quase sem espaço para mais do que cinco fregueses do lado de dentro e mesinhas ou tamboretes — ou nada — do lado de fora. São comuns nas fondamentas, as vielas que beiram os canais secundários da cidade, onde a turma se acomoda nas muretas. São estabelecimento bem familiares, onde muitas vezes a comida se limita aos taglieri, pratinhos com frios e queijos, e às ombras de vinho regional. Nada mais. Paraísos na Terra.

Cicheteria. É o bacaro especializado em petiscos (os cichetti). Costuma oferecer um mar de petiscos de balcão, quase sempre montados em forma de canapés. De deixar tonto o marinheiro de primeira viagem. A La Patatina, especializada em friturinhas, é memorável.

Osteria. É um pequeno restaurante de comida local, que serve tanto petiscos quanto pratos mais elaborados. A princípio são casas simples, mas em Veneza as osterias podem ser mais sofisticadas também. Como o termo “comida local” varia de cidade para cidade na Itália, a osteria, em Veneza, está muito associada aos frutos do mar. Osterias também são ótimos lugares para beber. É onde se costuma encontrar vinhos com o melhor custo-benefício e também as melhores happy-hours, onde o spritz (de Aperol ou de Campari, à escolha do freguês) corre abundante. Numa boa osteria, por meros € 5 pode-se passar das 16h às 19h comendo sem parar uma infinidade de cichetti, com ombras a menos de € 2 e spritz a cerca de € 5. A Osteria Antica Adelaide é um desses templos. Parece bom? É melhor.

Enobar. Nessa categoria costumam se encontrar os bares mais sofisticados da cidade, mas nem sempre. Geralmente são gastrobares que focam suas baterias nos bons vinhos italianos e petiscos de mais alto gabarito. É o caso do excelente Enobar Ostinati. Para paladares mais simples, como o meu, é preciso só tomar cuidado com os exageros de sofisticação, que podem sair desnecessariamente caros numa cidade onde qualquer presuntinho cru já é divino. Nos enobares da Piazza San Marco, meros dois cafés e duas águas podem sair por quase € 30. É vero...

SERVIÇO

Bacaro Risorto. Fond. Osmarin 4.700.

Pardiso Perduto. Fondamenta della Misericordia 2.340.

Al Timon. Fond. Ormesini 2.754.

La Palatina. Campo San Polo 2.741.

Osteria Antica Adelaide. Cannaregio 3.728. Calle Priuli Racheta.

Enobar Ostinati. Calle del Magazen 5.586.

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